|
Próximo Texto | Índice
INFÂNCIA
Venda de remédios para déficit de atenção e hiperatividade cresce 940% em quatro anos; uso é polêmico entre médicos
País vive febre da "droga da obediência"
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos últimos anos, uma explosão no uso das "drogas da obediência" vem ocorrendo no Brasil. Indicadas para crianças com
hiperatividade ou déficit de atenção, esses medicamentos vêm
causando polêmica e dividindo
especialistas. Há quem veja um
excesso de prescrições.
Em apenas quatro anos, a venda
dos medicamentos aumentou
940%. Em 2000, foram vendidas
71 mil caixas. Em 2004, 739 mil.
Os dados são do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos, levantados com base
no ""IMS-PMB" -publicação suíça que contabiliza dados do mercado farmacêutico mundial.
Os números são confirmados
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que controla as vendas, já que o remédio
exige receita. Segundo a agência, o
número de caixas vendidas entre
2003 e 2004 cresceu 51%.
A "droga da obediência" acalma
crianças agitadas e faz com que as
sem concentração se fixem no
que fazem. Ela foi criada para tratar portadores do transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH), que atinge de 3% a 5%
de crianças no país.
O crescimento nas vendas, no
entanto, não é visto com bons
olhos por todos. Uma parte dos
médicos defende que seja reflexo
do aumento de diagnósticos de
crianças com um dos desvios. Outra, que há prescrição exagerada.
Para o coordenador do ambulatório de TDAH infantil do HC-SP,
Ênio de Andrade, as crianças não
estão usando medicação em excesso. "A maioria não toma remédio. Ele só é indicado quando o
grau de prejuízo que o transtorno
causa à criança é grande."
Não há estatísticas, segundo os
especialistas, de quantos portadores usam o remédio. Para o presidente da Associação Brasileira de
Déficit de Atenção, Paulo Mattos,
psiquiatra da UFRJ, ainda é um
número pequeno. "O crescimento das vendas ocorreu porque o
diagnóstico aumentou. Pais e
professores estão mais informados e agora buscam ajuda."
Laís Valadares, do departamento científico da Sociedade Brasileira de Pediatria, discorda. "Está
havendo excesso de diagnóstico e
de medicação. Talvez pais e professores não estejam conseguindo
colocar limites, e as crianças ficam
hiperativas. O que não quer dizer
que sejam TDAH", afirma. "É
preciso cuidado. Tem criança de
quatro anos tomando remédio
para quem tem mais de sete."
Professora de pediatria da Unicamp, Maria Aparecida Moysés,
co-autora de ""Preconceitos no
Cotidiano Escolar - Ensino e Medicalização", também condena a
prescrição sem critérios. "É um
absurdo. Esse processo de medicalização acaba sendo um alívio
para pais e professores. É mais fácil lidar com um problema "médico" do que mudar o método de
educação da criança."
Ela lembra, ainda, que boa parte
das crianças diagnosticadas
TDAH nem sequer tem a doença.
Um estudo da Faculdade Ruy
Barbosa (BA) com 101 portadores
mostrou que 58% tomavam remédios, mas apenas 20% tinham
o transtorno. "O diagnóstico errado prejudica a criança, principalmente se for medicada", diz. A
maioria dos especialistas garante
que a droga não cria dependência
química, desde que administrado
corretamente, mas pode causar
dependência psicológica.
Essas drogas são estimulantes
que fazem a região frontal do cérebro (responsável pela concentração e controle das atividades)
funcionar. Geralmente, professores identificam primeiro os sintomas do TDAH. "O problema se
torna evidente na escola porque é
onde a criança precisa se concentrar", diz a presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia,
Maria Irene Maluf. "Educadores
experientes podem perceber os sinais e alertar os pais, mas jamais
sugerir um remédio. Isso é somente para o médico."
Próximo Texto: Trânsito: Alargamento de avenida vai tirar "invasores" Índice
|