São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 2000


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SAÚDE
Para juiz, hospital pode obter recursos atendendo na frente quem pode pagar
Justiça aprova privilégio a paciente particular do HC

PRISCILA LAMBERT
AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

A Justiça paulista julgou improcedente, em primeira instância, a ação movida pelo Ministério Público que pedia o fim do atendimento diferenciado no Hospital das Clínicas de São Paulo.
Com a decisão, pacientes que possuem convênios ou que pagam pelos serviços continuarão a usufruir de hotelaria diferenciada e atendimento privilegiado -não estão sujeitos a filas, por exemplo-, ao contrário do que ocorre com pacientes que dependem do SUS (Sistema Único de Saúde).
O promotor Vidal Serrano Junior, do Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor), do Ministério Público de São Paulo, disse ontem que vai recorrer da decisão ao Tribunal de Justiça.
Os argumentos utilizados na ação se baseavam na suposta inconstitucionalidade do atendimento diferenciado da chamada "dupla porta", já que a Constituição prevê igualdade e universalidade do atendimento à saúde.
Segundo o despacho do juiz Edson Ferreira da Silva, o princípio de universalidade, "que o hospital não pode deixar de observar, impõe que ele atenda tanto os que podem quanto os que não podem pagar, incluindo os que podem pagar, mas não queiram e se recusem a fazê-lo".
O juiz acatou a contestação do Hospital das Clínicas, segundo a qual o atendimento diferenciado a pacientes pagantes é essencial para a manutenção do hospital com seus serviços de ponta e do atendimento a não-pagantes, já que os recursos provenientes do SUS não seriam suficientes.
"Se o paciente que pode pagar tivesse que se sujeitar a internações exclusivamente em enfermarias, à mesma fila dos que não pagam para consultas, exames, cirurgias etc., poderia até fazê-lo, mas então optaria por não pagar ou faria sua opção por um serviço privado. De todo modo, o atendimento pago pelo hospital público ficaria absolutamente inviabilizado", escreveu o juiz. E continuou: "Portanto, a diferenciação de atendimento entre os que pagam e os que não pagam pelo serviço constitui condição indispensável de subsistência do atendimento pago, que não fere o princípio constitucional da isonomia porque o critério de discriminação está plenamente justificado."
Segundo informações divulgadas pelo HC, apenas o Instituto Central do hospital internou, no primeiro semestre de 98, 80 pacientes de convênios por mês, contra 2.987 mil do SUS, e atendeu 1.760 procedimentos ambulatoriais por mês de convênios, contra 620 mil do SUS.
Em julho do mesmo ano, o instituto faturou R$ 4.584.794 do SUS, contra R$ 846.089 de empresas de convênio -o que representou 18% do faturado.
Segundo José Aristodemo Pinotti, professor titular do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP -e um dos maiores críticos da dupla porta-, se somada a arrecadação proveniente de convênios, de pagantes e do SUS com recursos dos cofres estaduais, o valor recebido de pacientes pagantes representa apenas 3% do total. Esse cálculo exclui o Incor (Instituto do Coração), onde convênios e particulares representam 63% dos recursos.
Para o promotor Serrano Junior, a decisão é "grotesca". "O juiz confirma que houve violação da igualdade e assina embaixo." O HC não comentou a sentença.



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