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MASSACRE DO CARANDIRU
Recurso visa anular sentença
Anônimo, sobrevivente assiste hoje ao novo julgamento de Ubiratan
GILMAR PENTEADO
VICTOR RAMOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O ex-detento Mauro (nome fictício), 51, assiste, a partir das 13h
de hoje, ao julgamento do pedido
de anulação da sentença contra o
coronel da reserva da PM Ubiratan Guimarães, condenado a 632
anos de prisão por chefiar a invasão na Casa de Detenção, em 1992.
Ele estará na mesma condição
que tem vivido nos últimos anos:
no anonimato.
Estudante de direito, Mauro esconde dos colegas de curso -entre eles, muitos defensores da
ação policial no episódio conhecido como massacre do Carandiru- que foi um dos presos feridos na invasão comandada por
Guimarães. Só a família e poucos
amigos conhecem sua história.
Apesar de ter sido baleado nas
duas pernas, ele não entrou na lista oficial de feridos na invasão.
Com medo, depois de se esconder
debaixo de corpos ele preferiu
voltar para o pátio junto com outros sobreviventes. "Pensei naquele dia: acho que não chegou a
minha hora. E, se chegou, eu me
escondi", afirmou.
Quando o coronel da PM foi
condenado a 632 anos, em junho
de 2001, Mauro já tinha saído da
cadeia. Hoje, quando o Órgão Especial do Tribunal do Júri deve
analisar o recurso da defesa do
oficial, o ex-detento diz que vai
torcer pela manutenção da pena,
apesar de não considerá-la ideal.
"Uma condenação não vai trazer ninguém de volta. Se eu fosse
decidir a pena, ele (Ubiratan) e os
outros envolvidos teriam que trabalhar pelo resto da vida em favor
dos presidiários", disse.
Dependendo da decisão dos desembargadores, o oficial pode sair
hoje do TJ com a pena mantida,
com a condenação reduzida ou
até inocentado. Isso pode correr
se, em caso de anulação do júri, o
Órgão Especial decidir fazer um
novo julgamento imediato.
A análise do pedido de anulação
da sentença era esperado para o
último dia 8, mas a defesa do coronel solicitou mais prazo para
analisar o processo. O advogado
de Ubiratan, Vicente Cascione,
deputado federal pelo PTB-SP,
afirma que o júri deve ser anulado
porque a avaliação dos quesitos
pelos jurados teria sido contraditória e porque o oficial teria agido
no "estrito cumprimento do dever". Ele sustenta que, em caso da
anulação, o novo julgamento deve ser marcado para outra data.
O Ministério Público vai defender a manutenção da pena. Segundo o procurador Antonio Visconti, a maioria dos jurados respondeu, em 2001, que o coronel
Ubiratan teve participação no
massacre dos presos.
O oficial foi condenado por co-autoria em 102 homicídios -111
presos morreram no episódio,
mas nove mortes foram descartadas porque os ferimentos eram de
faca- e em cinco tentativas de
homicídio. O pedido de anulação
foi enviado ao Órgão Especial
porque o coronel Ubiratan se elegeu deputado estadual em 2002.
"Para nós, a justiça é a confirmação do júri popular [de 2001].
Foi a sociedade paulistana que
condenou o coronel Ubiratan. Ou
se faz a Justiça funcionar ou [em
caso de anulação da pena] aceitam-se todas as manobras que levam à impunidade", afirmou Hélio Bicudo, presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos
Direitos Humanos.
Discretamente, Mauro deve
participar das manifestações organizadas por entidades de direitos humanos. Ele pretende manter seu passado em segredo até
terminar o curso. "Se eu contar,
sei que vou ser discriminado.
Mas, quando me formar, vou escrever um livro e contar para o
mundo que o preso também pode
se regenerar, ao contrário do que
pensam alguns de meus colegas."
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