São Paulo, quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

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MASSACRE DO CARANDIRU

Recurso visa anular sentença

Anônimo, sobrevivente assiste hoje ao novo julgamento de Ubiratan

GILMAR PENTEADO
VICTOR RAMOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-detento Mauro (nome fictício), 51, assiste, a partir das 13h de hoje, ao julgamento do pedido de anulação da sentença contra o coronel da reserva da PM Ubiratan Guimarães, condenado a 632 anos de prisão por chefiar a invasão na Casa de Detenção, em 1992. Ele estará na mesma condição que tem vivido nos últimos anos: no anonimato.
Estudante de direito, Mauro esconde dos colegas de curso -entre eles, muitos defensores da ação policial no episódio conhecido como massacre do Carandiru- que foi um dos presos feridos na invasão comandada por Guimarães. Só a família e poucos amigos conhecem sua história.
Apesar de ter sido baleado nas duas pernas, ele não entrou na lista oficial de feridos na invasão. Com medo, depois de se esconder debaixo de corpos ele preferiu voltar para o pátio junto com outros sobreviventes. "Pensei naquele dia: acho que não chegou a minha hora. E, se chegou, eu me escondi", afirmou.
Quando o coronel da PM foi condenado a 632 anos, em junho de 2001, Mauro já tinha saído da cadeia. Hoje, quando o Órgão Especial do Tribunal do Júri deve analisar o recurso da defesa do oficial, o ex-detento diz que vai torcer pela manutenção da pena, apesar de não considerá-la ideal.
"Uma condenação não vai trazer ninguém de volta. Se eu fosse decidir a pena, ele (Ubiratan) e os outros envolvidos teriam que trabalhar pelo resto da vida em favor dos presidiários", disse.
Dependendo da decisão dos desembargadores, o oficial pode sair hoje do TJ com a pena mantida, com a condenação reduzida ou até inocentado. Isso pode correr se, em caso de anulação do júri, o Órgão Especial decidir fazer um novo julgamento imediato.
A análise do pedido de anulação da sentença era esperado para o último dia 8, mas a defesa do coronel solicitou mais prazo para analisar o processo. O advogado de Ubiratan, Vicente Cascione, deputado federal pelo PTB-SP, afirma que o júri deve ser anulado porque a avaliação dos quesitos pelos jurados teria sido contraditória e porque o oficial teria agido no "estrito cumprimento do dever". Ele sustenta que, em caso da anulação, o novo julgamento deve ser marcado para outra data.
O Ministério Público vai defender a manutenção da pena. Segundo o procurador Antonio Visconti, a maioria dos jurados respondeu, em 2001, que o coronel Ubiratan teve participação no massacre dos presos.
O oficial foi condenado por co-autoria em 102 homicídios -111 presos morreram no episódio, mas nove mortes foram descartadas porque os ferimentos eram de faca- e em cinco tentativas de homicídio. O pedido de anulação foi enviado ao Órgão Especial porque o coronel Ubiratan se elegeu deputado estadual em 2002.
"Para nós, a justiça é a confirmação do júri popular [de 2001]. Foi a sociedade paulistana que condenou o coronel Ubiratan. Ou se faz a Justiça funcionar ou [em caso de anulação da pena] aceitam-se todas as manobras que levam à impunidade", afirmou Hélio Bicudo, presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos.
Discretamente, Mauro deve participar das manifestações organizadas por entidades de direitos humanos. Ele pretende manter seu passado em segredo até terminar o curso. "Se eu contar, sei que vou ser discriminado. Mas, quando me formar, vou escrever um livro e contar para o mundo que o preso também pode se regenerar, ao contrário do que pensam alguns de meus colegas."


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