São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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Comunidade de Cidade de Deus elogia mudanças

Com menos violência, habitantes se sentem livres para transitar pela favela

Até novembro, era comum esperar tiroteios terminarem para voltar para casa; bailes funk, com apologia ao crime, também foram extintos

DA SUCURSAL DO RIO

Pela primeira vez neste ano, depois de sete aniversários, D. S. vai receber a avó em casa para comemorar a data. O medo de traficantes e balas perdidas impedia a visitar à família na Cidade de Deus.
Não é só pela visita especial que D. acha que a vida melhorou. Quase "acostumada" à violência, a menina de sete anos consolava o poodle da casa quando "espoucavam" disparos na vizinhança. "O cachorrinho ficava tremendo, tinha pavor! Corria para baixo da cama, de um lado para o outro. Eu o acalmava." Na tarde de terça-feira, ela celebrava a liberdade de ocupar a calçada em frente à casa, numa das principais ruas da favela. "Minha avó não deixava eu ficar nunca aqui."
Até novembro, era comum os moradores terem de esperar fora da comunidade o fim de tiroteios para chegar em casa. "Fiquei várias vezes no meio de tiroteios. Ou na praça, do lado de fora, esperando acalmar, ligando para casa para saber quando entrar. Depois, a rua ficava cheia de cápsulas de fuzil. Agora está muito mais tranquilo", conta o universitário J.L., 21. Ele mora na Cidade de Deus desde que nasceu e perdeu a conta de conhecidos presos ou mortos. "Não conheceram outra vida [só a do crime]."
A população comemora o fim dos bailes funk -com os "proibidões", de apologia ao crime- promovidos pelo tráfico, que varavam as madrugadas de sexta a domingo. "Era um inferno, ninguém dormia: um paredão de caixas de som, e as músicas... que tristeza! No fim, tinha papel de crack, tudo o que não presta. O pessoal de fora ficava largado no chão, vendia o que tinha em troca de droga: camisa, tênis, celular, relógio", diz uma antiga moradora.
Segundo ela, agora pode-se circular despreocupado. "Está todo mundo adorando. Antes, tinha que saber andar para não tropeçar em tanta arma. Parecia um quartel. Fuzis, garotos de 14, 15 anos com dois revólveres na cintura, um na mão."
A Cidade de Deus nasceu nos anos 60 como conjunto habitacional para funcionários do Estado. As ruas e parques fazem referência à nomes bíblicos: Noé, Israel, José de Arimatéia, Malaquias. Cresceu com remoções e enchentes de favelas.
O tráfico tomou conta nos anos 80, segundo os moradores, mas na atual década, a violência piorou. Traficantes, inclusive meninas, abordavam carros, arma em punho, para saber o destino. Mortos apareciam nos dois rios. "Saíam arrastando as pessoas, davam tiro na mão. Eu ligava o som no último volume para não ouvir. Meu muro era igual a peneira. Não é vida!", disse uma moradora há quase 40 anos.
Alguns reconhecem que houve épocas piores que a retratada no filme "Cidade de Deus". "Matavam a pauladas na porta da minha casa. Foi piorando até chegar ao que chegou. Ninguém saía de casa, e as crianças não podiam brincar na praça", diz uma moradora.
Antes fonte de medo, a polícia hoje também recebe elogios. "Não vejo a PM fazer nada de mais. Antes eram mais agressivos. Fui parado, falaram numa boa", diz um rapaz.
Um morador diz que o Bope agride "viciados" e traficantes. "Não dão mole. Batem muito e dizem: "Acabou, não tem mais tráfico, o que está fazendo aqui?'" (RAPHAEL GOMIDE)


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