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Comunidade de Cidade de Deus elogia mudanças
Com menos violência, habitantes se
sentem livres para transitar pela favela
Até novembro, era comum
esperar tiroteios terminarem
para voltar para casa; bailes
funk, com apologia ao crime,
também foram extintos
DA SUCURSAL DO RIO
Pela primeira vez neste ano,
depois de sete aniversários, D.
S. vai receber a avó em casa para comemorar a data. O medo
de traficantes e balas perdidas
impedia a visitar à família na
Cidade de Deus.
Não é só pela visita especial
que D. acha que a vida melhorou. Quase "acostumada" à violência, a menina de sete anos
consolava o poodle da casa
quando "espoucavam" disparos
na vizinhança. "O cachorrinho
ficava tremendo, tinha pavor!
Corria para baixo da cama, de
um lado para o outro. Eu o acalmava." Na tarde de terça-feira,
ela celebrava a liberdade de
ocupar a calçada em frente à casa, numa das principais ruas da
favela. "Minha avó não deixava
eu ficar nunca aqui."
Até novembro, era comum os
moradores terem de esperar
fora da comunidade o fim de tiroteios para chegar em casa.
"Fiquei várias vezes no meio de
tiroteios. Ou na praça, do lado
de fora, esperando acalmar, ligando para casa para saber
quando entrar. Depois, a rua ficava cheia de cápsulas de fuzil.
Agora está muito mais tranquilo", conta o universitário J.L.,
21. Ele mora na Cidade de Deus
desde que nasceu e perdeu a
conta de conhecidos presos ou
mortos. "Não conheceram outra vida [só a do crime]."
A população comemora o fim
dos bailes funk -com os "proibidões", de apologia ao crime-
promovidos pelo tráfico, que
varavam as madrugadas de sexta a domingo. "Era um inferno,
ninguém dormia: um paredão
de caixas de som, e as músicas...
que tristeza! No fim, tinha papel de crack, tudo o que não
presta. O pessoal de fora ficava
largado no chão, vendia o que
tinha em troca de droga: camisa, tênis, celular, relógio", diz
uma antiga moradora.
Segundo ela, agora pode-se
circular despreocupado. "Está
todo mundo adorando. Antes,
tinha que saber andar para não
tropeçar em tanta arma. Parecia um quartel. Fuzis, garotos
de 14, 15 anos com dois revólveres na cintura, um na mão."
A Cidade de Deus nasceu nos
anos 60 como conjunto habitacional para funcionários do Estado. As ruas e parques fazem
referência à nomes bíblicos:
Noé, Israel, José de Arimatéia,
Malaquias. Cresceu com remoções e enchentes de favelas.
O tráfico tomou conta nos
anos 80, segundo os moradores, mas na atual década, a violência piorou. Traficantes, inclusive meninas, abordavam
carros, arma em punho, para
saber o destino. Mortos apareciam nos dois rios. "Saíam arrastando as pessoas, davam tiro
na mão. Eu ligava o som no último volume para não ouvir.
Meu muro era igual a peneira.
Não é vida!", disse uma moradora há quase 40 anos.
Alguns reconhecem que houve épocas piores que a retratada no filme "Cidade de Deus".
"Matavam a pauladas na porta
da minha casa. Foi piorando até
chegar ao que chegou. Ninguém saía de casa, e as crianças
não podiam brincar na praça",
diz uma moradora.
Antes fonte de medo, a polícia hoje também recebe elogios. "Não vejo a PM fazer nada
de mais. Antes eram mais
agressivos. Fui parado, falaram
numa boa", diz um rapaz.
Um morador diz que o Bope
agride "viciados" e traficantes.
"Não dão mole. Batem muito e
dizem: "Acabou, não tem mais
tráfico, o que está fazendo
aqui?'"
(RAPHAEL GOMIDE)
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