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Crianças são alvo de disputas internacionais
Tendência da Justiça brasileira é deixar guarda do filho com a mãe, independentemente do país onde deve ficar a criança
Trapezista que mora em
São Carlos, no interior de SP,
tenta reaver a guarda do
filho, que foi levado pela
mulher para a Ucrânia
DANIEL BERGAMASCO
DA REPORTAGEM LOCAL
Sob um circo na Alemanha,
um trapezista paulista conhece
uma dançarina ucraniana. Os
dois se casam, mudam-se para
o Brasil, têm um filho.
Alguns anos depois, se separam. Ela volta à Europa e a
criança fica com o pai em São
Carlos (231 km de SP), mas a
disputa de guarda segue na Justiça brasileira. Como é tradição
no país, o juiz decide que o filho
fique com a mãe. Um dia (fevereiro deste ano), ela parte para
a Ucrânia com o garoto sem autorização do pai, que reclama
que precisaria ter sido consultado. Mas o que pode ser feito?
Assim como aconteceu no
caso do garoto disputado pelo
padrasto carioca e o pai americano -que gera debate diplomático entre Brasil e Estados
Unidos- o artista circense Ricardo Almeida Junior conduz o
caso em litígio.
"Mas meu advogado já disse
que será difícil conseguir que
ele volte", diz.
A disputa no interior paulista
reflete um quadro comum no
Judiciário: em disputas de
guarda, a tendência das varas
de família de deixar o filho com
a mãe costuma se sobrepor a
discussões sobre em qual país
deve ficar a criança.
"Isso não foi o Brasil que inventou. Ao menos no Ocidente,
a tendência dos juízes é deixar
os menores com a mãe", diz
Eduardo Tess, que preside a comissão de direito internacional
da OAB-SP. "A base dessas decisões é um princípio que talvez
seja até um pouco machista: o
de que o pai ganha dinheiro para o sustento e a mãe fica casa
cuidando do filho. Isso está mudando aos poucos, mas ainda
domina nas decisões."
Organização do lar
Para a psicopedagoga Silvia
Amaral, não é por acaso que as
mães ganham a maioria das
ações. "Cada caso é um caso, e o
melhor ambiente deve ser buscado, especialmente se a dúvida é entre países. Mas tende-se
a achar que, mesmo após a
amamentação, a criança precisa de uma organização de lar
que em geral é melhor fornecida pela mulher", diz.
Foi o entendimento do juiz
no caso recente de uma mãe
paulista que se casou na França
e trouxe o filho ao Brasil, sem
autorização do pai.
Alegando que o marido a
maltratava, ela conseguiu na
Justiça o direito de ficar com o
menino. O pai está recorrendo.
Singularidade
Situações em que não há mãe
na disputa tendem a ser ainda
mais complexas. É, por exemplo, o que torna singular o caso
do menino disputado pelo padrasto brasileiro, João Paulo
Lins e Silva, e o pai americano,
David Goldman. Bruna Bianchi, a mãe biológica, havia se
mudado com o garoto para o
Brasil em 2004 dizendo a Goldman que estava apenas visitando a família. O pai tentou a
guarda do menino, hoje com oito anos, mas perdeu. Desde que
Bruna morreu, no ano passado,
ele voltou a pleitear o direito.
No debate diplomático sobre
o caso, o governo dos EUA citou
a Convenção de Haia de 1980,
segundo a qual a criança tirada
de um país sem respeito aos direitos de guarda deve retornar.
A exceção citada no acordo, do
qual o Brasil é signatário, são
casos em que a criança já esteja
adaptada ao novo país. Com a
morte da mãe, a situação se reconfigura e a aplicação da lei
ganha mais polêmica.
Impedir a adoção
Há casos ainda mais complexos, como o da maranhense Civanilde Marques. Mesmo com
apoio da diplomacia brasileira,
ela não conseguiu impedir na
Justiça italiana a adoção de seu
filho de 14 anos.
Funcionária pública em São
Vicente Ferrer (MA), Civanilde
engravidou aos 15 anos, de um
homem de 63. Quando o garoto
tinha sete anos, ela permitiu
que se mudasse para a Itália
com a irmã do lado paterno,
que havia se casado com um
italiano. A relação não deu certo, a irmã acabou em dificuldades e o garoto foi parar em um
lar para menores carentes.
"Fui para a Itália duas vezes e
tentei impedir a adoção, mas o
parecer da psicóloga foi contra
a volta do meu filho ao Brasil",
ela conta. Depois de tentar "todas as instâncias" na Itália, restou-lhe se conformar. "Hoje,
não acho justo pedir que ele
volte. Mas vou esperar que ele
faça 18 anos e procurá-lo para
dizer que ele tem uma mãe."
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