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INFÂNCIA
Pesquisa mostra que só 6% desenvolvem ações mínimas de contato do menor com a família; pobreza é principal causa de internação
Abrigos mantêm estrutura de orfanatos
SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL
ALESSANDRO FERREIRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Cerca de 20 mil crianças em todo o país estão entregues a abrigos que, em sua esmagadora
maioria, ainda funcionam como
os velhos orfanatos: enormes e
impessoais, afastam os abrigados
do convívio comunitário e familiar.
Aproximadamente 81% desses
menores, porém, têm família,
mas pelo menos um em cada quatro deles lá está porque os pais,
por falta de condições financeiras,
não conseguem mantê-lo.
É o começo de um longo círculo
vicioso. Como não há políticas
públicas de apoio a essas famílias
de origem, crianças e adolescentes ficam até mais de uma década
nessas instituições -apesar de a
internação ser preconizada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como uma medida
excepcional e necessariamente
temporária.
O cenário -nada animador-
está descrito numa pesquisa feita
pelo Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) a pedido da
Secretaria Especial de Direitos
Humanos em todas as 589 unidades de abrigamento da Rede SAC
(Rede de Serviços de Ação Continuada) -conjunto de instituições que recebem verbas federais,
49,1% delas na região Sudeste e
34,1% no Estado de São Paulo.
Divulgada ontem, a pesquisa do
Ipea mostra, por exemplo, que
apenas 14,9% das unidades não
têm mais nem um vestígio do tratamento massificado vigente nos
antigos pavilhões dos orfanatos,
onde até camas e escovas de dente
eram coletivas.
A situação é pior ainda no quesito "preservação de vínculos familiares": só 6% das instituições
atendem ao "mínimo razoável"
quando o assunto é viabilizar visitas entre o menor e os parentes e
manter juntos os irmãos.
A Rede SAC, no entanto, atende
a apenas 6% dos municípios brasileiros onde, calcula-se, estão
apenas 20% dos abrigados. Fora
dela, porém, não se tem nenhum
controle de quantos são nem de
como funcionam os abrigos.
Desvio de finalidade
Para o secretário de Direitos
Humanos, Nilmário Miranda,
que participou da divulgação do
estudo, no Rio, o principal dado
evidenciado pela pesquisa é o do
"total desvirtuamento da função
dos abrigos".
Destinados a proteger crianças
retiradas pela Justiça de famílias
desestruturadas -em geral, por
violência ou drogas-, eles se
transformaram, hoje, em uma espécie de auxílio social, já que
24,2% dos menores lá estão exclusivamente devido à pobreza.
"Agora sabemos que por trás de
uma criança abrigada há, quase
sempre, uma família abandonada
pelo Estado", resume Enid Rocha,
coordenadora-geral da pesquisa.
"Por isso, os abrigos não podem
nem devem ser vistos como os vilões, já que é a ausência de políticas públicas voltadas para a estruturação das famílias o que dificulta o enfoque de que eles são apenas uma solução provisória", afirma a coordenadora-geral.
A pesquisa mostra também que
as instituições são, de modo geral,
não-governamentais (65%), com
significativa influência religiosa
(67,2%), recentes (58,6% delas
têm menos de 15 anos) e financiados majoritariamente por recursos privados (58,5%).
Ação em 120 dias
Se os abrigos não são raiz, mas
reflexo de um descompasso
maior, cabe agora ao poder público tentar reverter esse cenário. Para isso, o governo federal anunciou -no mesmo ato de divulgação dos dados- que, a partir do
dia 29, começa a se reunir a Comissão Interministerial de Direito
à Convivência Familiar. Ela terá
120 dias para apresentar propostas de ações para o setor.
"A partir do levantamento, começamos a tirar um grave problema do armário. Agora, pretendemos expor a questão à sociedade,
para que seja discutida e incluída
na agenda do país", disse o secretário Nilmário Miranda.
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