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MENINOS DO TRÁFICO
Retratado em filme de MV Bill, ele agora quer ser palhaço
"A prisão me salvou
da morte", afirma
falcão sobrevivente
TALITA FIGUEIREDO
DA SUCURSAL DO RIO
Falcão (olheiro) do tráfico desde
os dez anos por admiração à profissão do pai, traficante, e por não
ter mais o controle da mãe, morta
por câncer quando ele tinha nove
anos, Sérgio Cláudio de Oliveira
Teixeira, 21, afirma que só está vivo porque "rodou". Ou seja, foi
preso -em 22 de julho de 2004.
O único sobrevivente dos 17 jovens retratados no documentário
de MV Bill e Celso Athayde "Falcão - Meninos do Tráfico", Sérgio
concedeu entrevista à Folha
quando assistia anteontem ao documentário do qual foi personagem com presos de Bangu 5, prisão da zona oeste do Rio. Ali, estão alguns de seus amigos traficantes da favela onde nasceu e foi
criado, a Cidade de Deus. Inclusive aquele que lhe deu o apelido de
Fortalece -porque ele fazia pequenos favores para o tráfico.
Em regime aberto desde 29 de
março, ele agora quer ser palhaço,
seguir o sonho de criança e adotar
outro apelido: Palhaço Orelhão,
por causa das orelhas de abano.
Beto Carreiro já lhe ofereceu um
curso, que ainda não pode freqüentar porque é obrigado a voltar todas as noites, às 22h, à Casa
do Albergado Crispim Valentino.
É difícil dormir na cadeia depois
de passar o dia fora, diz. Mas ele
sabe que é a única solução. Por
causa da pena de cinco anos e
quatro meses a que foi condenado, ele não pode viajar para Santa
Catarina para as aulas no circo de
Beto Carrero. Vai aprender as primeiras lições no circo do ator
Marcos Frota. Enquanto isso, trabalha na Cufa (Central Única de
Favelas), coordenada por MV Bill.
Ganha R$ 500 por mês, mais do
que os R$ 350 que tirava na favela,
para trabalhar 18 horas por dia,
sob constante ameaça.
No antebraço esquerdo, traz
uma tatuagem de Jesus Cristo, feita há três anos. "Eu acredito no divino. E ele vai me ajudar." A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Qual a diferença entre a
sua situação e a dos outros jovens
que participaram das filmagens do
documentário?
Sérgio Cláudio de Oliveira Teixeira - A diferença é que eu "rodei"
[fui preso]. Se não, eu poderia estar no lugar de um desses falcões.
Rodar me livrou da morte.
Folha - Quando entrou no tráfico?
Teixeira - Com dez anos. Meu
pai era envolvido, minha mãe tinha morrido [de câncer] e eu não
ia ter oportunidade mesmo.
Vi meu pai ser usuário, cheirar,
fumar, ser traficante. E eu queria
ser igual a ele.Troquei minha
oportunidade [de estudar] por
um fuzil.
Folha - Onde vive seu pai?
Teixeira - Ele foi preso. Não o vejo há muitos anos.
Folha - Qual foi a sua primeira
função no tráfico?
Teixeira - Eu sempre fui olheiro,
falcão. Sempre fui falcão.
Folha - Você usava drogas, quando estava trabalhando?
Teixeira - Usava cocaína e maconha. Quando estava na atividade
[trabalhando na boca-de-fumo],
a cocaína me dava força.
Eu tinha medo de dormir e de
morrer.
Folha - Você já matou alguém?
Teixeira - Usava as armas que
me dessem para eu ter segurança,
para eu não morrer. Mas nunca
matei ninguém, nunca fiz ruindade com ninguém. Meu negócio
era: fogos [de artifício] na mão e
radinho no pescoço.
Folha - Como surgiu a chance de
sair da cadeia e mudar de vida?
Teixeira - O [rapper MV] Bill me
procurou na cadeia e disse que
queria me dar uma oportunidade.
Agora estou aprendendo a mexer
no computador e a fazer teatro e
vídeo, além de falar e ler livro. É
trabalho, é duro, mas estou feliz.
Folha -Quando você revê o "Falcão", em que você pensa?
Teixeira - Me lembro dos meus
amigos. A maioria está morta.
Eu sempre choro quando vejo
[emociona-se e fica com os olhos
marejados]. Fico sempre achando
que eu poderia já estar morto.
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