São Paulo, sábado, 15 de abril de 2006

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MENINOS DO TRÁFICO

Retratado em filme de MV Bill, ele agora quer ser palhaço

"A prisão me salvou da morte", afirma falcão sobrevivente

TALITA FIGUEIREDO
DA SUCURSAL DO RIO

Falcão (olheiro) do tráfico desde os dez anos por admiração à profissão do pai, traficante, e por não ter mais o controle da mãe, morta por câncer quando ele tinha nove anos, Sérgio Cláudio de Oliveira Teixeira, 21, afirma que só está vivo porque "rodou". Ou seja, foi preso -em 22 de julho de 2004.
O único sobrevivente dos 17 jovens retratados no documentário de MV Bill e Celso Athayde "Falcão - Meninos do Tráfico", Sérgio concedeu entrevista à Folha quando assistia anteontem ao documentário do qual foi personagem com presos de Bangu 5, prisão da zona oeste do Rio. Ali, estão alguns de seus amigos traficantes da favela onde nasceu e foi criado, a Cidade de Deus. Inclusive aquele que lhe deu o apelido de Fortalece -porque ele fazia pequenos favores para o tráfico.
Em regime aberto desde 29 de março, ele agora quer ser palhaço, seguir o sonho de criança e adotar outro apelido: Palhaço Orelhão, por causa das orelhas de abano. Beto Carreiro já lhe ofereceu um curso, que ainda não pode freqüentar porque é obrigado a voltar todas as noites, às 22h, à Casa do Albergado Crispim Valentino.
É difícil dormir na cadeia depois de passar o dia fora, diz. Mas ele sabe que é a única solução. Por causa da pena de cinco anos e quatro meses a que foi condenado, ele não pode viajar para Santa Catarina para as aulas no circo de Beto Carrero. Vai aprender as primeiras lições no circo do ator Marcos Frota. Enquanto isso, trabalha na Cufa (Central Única de Favelas), coordenada por MV Bill. Ganha R$ 500 por mês, mais do que os R$ 350 que tirava na favela, para trabalhar 18 horas por dia, sob constante ameaça.
No antebraço esquerdo, traz uma tatuagem de Jesus Cristo, feita há três anos. "Eu acredito no divino. E ele vai me ajudar." A seguir, trechos da entrevista.
 

Folha - Qual a diferença entre a sua situação e a dos outros jovens que participaram das filmagens do documentário?
Sérgio Cláudio de Oliveira Teixeira -
A diferença é que eu "rodei" [fui preso]. Se não, eu poderia estar no lugar de um desses falcões. Rodar me livrou da morte.

Folha - Quando entrou no tráfico?
Teixeira -
Com dez anos. Meu pai era envolvido, minha mãe tinha morrido [de câncer] e eu não ia ter oportunidade mesmo.
Vi meu pai ser usuário, cheirar, fumar, ser traficante. E eu queria ser igual a ele.Troquei minha oportunidade [de estudar] por um fuzil.

Folha - Onde vive seu pai?
Teixeira -
Ele foi preso. Não o vejo há muitos anos.

Folha - Qual foi a sua primeira função no tráfico?
Teixeira -
Eu sempre fui olheiro, falcão. Sempre fui falcão.

Folha - Você usava drogas, quando estava trabalhando?
Teixeira -
Usava cocaína e maconha. Quando estava na atividade [trabalhando na boca-de-fumo], a cocaína me dava força.
Eu tinha medo de dormir e de morrer.

Folha - Você já matou alguém?
Teixeira -
Usava as armas que me dessem para eu ter segurança, para eu não morrer. Mas nunca matei ninguém, nunca fiz ruindade com ninguém. Meu negócio era: fogos [de artifício] na mão e radinho no pescoço.

Folha - Como surgiu a chance de sair da cadeia e mudar de vida?
Teixeira -
O [rapper MV] Bill me procurou na cadeia e disse que queria me dar uma oportunidade. Agora estou aprendendo a mexer no computador e a fazer teatro e vídeo, além de falar e ler livro. É trabalho, é duro, mas estou feliz.

Folha -Quando você revê o "Falcão", em que você pensa?
Teixeira -
Me lembro dos meus amigos. A maioria está morta.
Eu sempre choro quando vejo [emociona-se e fica com os olhos marejados]. Fico sempre achando que eu poderia já estar morto.


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