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PASQUALE CIPRO NETO
"Um dos maiores erros ortográficos"
Na semana passada, para
analisar a ambiguidade decorrente da posição do advérbio
"somente" em certas frases, referi-me a uma questão do último vestibular da Fuvest. A discussão sobre o emprego de "somente" compunha um dos itens da questão. O outro item era este:
"Noticiando o lançamento de
um dicionário de filmes brasileiros, um jornal fez o seguinte comentário a propósito do filme
"Aluga-se Moças", de 1981: "O título traz um dos maiores erros ortográficos já vistos no cinema brasileiro. O título correto seria "Alugam-se Moças". O comentário e a
correção feitos pelo jornal são justificáveis do ponto de vista gramatical? Por quê?".
Fosse você o candidato, caro leitor, que responderia? Note que,
na primeira pergunta da banca,
há dois itens: comentário e correção. Comecemos pelo comentário
("um dos maiores erros ortográficos"). É justificável? Se você pensou em dizer "sim", é melhor repensar. Por dois motivos, a resposta é "não", um rotundo "não".
O primeiro motivo é óbvio: que
"régua" se utilizou para a afirmação de que se trata de "um dos
maiores erros ortográficos"?
O segundo motivo é técnico: a
ortografia diz respeito ao "conjunto das regras que estabelecem
a grafia correta das palavras de
uma língua". Haveria problemas
de natureza ortográfica se a palavra "moças", por exemplo, fosse
grafada com "xç" ("moxças").
Sem querer, o próprio jornal dá
a pista do "erro", ao dizer que o
título correto seria "Alugam-se
moças". Como se vê, o problema
não é de natureza ortográfica; é
de natureza sintática, já que envolve mecanismos de concordância verbal. Temos aí o que a gramática tradicional chama de voz
passiva sintética, caso em que o
verbo deve concordar com o sujeito paciente ("moças"). Na norma
escrita culta, a forma correta realmente seria "Alugam-se moças".
Moral da história: a resposta ao
primeiro item da primeira questão é "não" (o comentário não é
justificável); a resposta ao segundo é "sim", já que a correção feita
pelo jornal é boa, sob a óptica da
norma escrita culta. A resposta à
segunda pergunta ("Por quê?")
obviamente é composta por todo
o comentário feito até aqui.
Que quis a banca com essa
questão? Não é difícil responder.
Os examinadores deixaram claro
que consideram importantes dois
conhecimentos: o operacional e o
nomenclatural (básico). Para a
banca, o candidato precisa saber
que ortografia não é sintaxe.
Nesse quesito, o papel do professor de português é decisivo. Quando trata de ortografia, por exemplo, o mínimo que ele precisa fazer é lembrar que o "orto" dessa
palavra é o mesmo de "ortodontia", "ortopedia" ou "ortóptica".
O elemento grego "orto" significa
"reto", "direito", "em linha reta",
"correto". A ortografia, portanto,
trata da grafia correta. A sintaxe
trata da engenharia do texto, da
montagem da frase, da disposição
das palavras etc.
Nos meios educacionais, muito
se tem discutido sobre a importância do conhecimento nomenclatural. Por essa e por outras
questões da Fuvest, parece claro
que o candidato a uma vaga na
USP precisa conhecer ao menos os
rudimentos do assunto. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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