São Paulo, sábado, 15 de maio de 2004

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EDUCAÇÃO

Escolas alegam que alunos mais velhos e os formados pelo ensino médio público precisam de reforço para seguir cursos

Universidade tenta suprir formação falha

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

A má qualidade do ensino médio público brasileiro e a presença de um número cada vez maior de adultos que voltam a freqüentar o ensino superior depois de muito tempo longe da sala de aula têm levado universidades a criar cursos paralelos que podem funcionar, na prática, como espécie de aula de recuperação de conteúdos esquecidos ou não aprendidos.
Como a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 1996, permitiu que as instituições fizessem processos de seleção menos rígidos do que o vestibular, as universidades começaram a receber alunos com mais dificuldade para acompanhar as aulas de um curso de graduação.
Essa mudança no perfil do estudante de graduação é confirmada por duas estatísticas. A comparação do Censo do IBGE de 1991 com o de 2000 mostra que, nos anos 90, os universitários com mais de 30 anos foram o grupo que mais cresceu em comparação com os alunos de outras idades no ensino superior. Nesses nove anos, eles passaram de 232 mil para 638 mil, um aumento de 175%.
No mesmo período, o crescimento do total de alunos do ensino superior de todas as faixas etárias foi de 108%. Com isso, os universitários com mais de 30 anos, que representavam 17% do total em 1991, passaram a responder por 22%, o maior incremento entre todas as faixas etárias.
Além da presença maior dos mais velhos, os dados do questionário socioeconômico do Provão (o Exame Nacional de Cursos) mostram também que, nos últimos cinco anos, aumentou a participação de estudantes da escola pública entre os formandos.
Comparando os dez cursos avaliados desde 1998 no exame, os estudantes que estudaram a maior parte ou todo o ensino médio em escolas públicas passaram a ser maioria em 2003, representando 50,2% dos formandos. Em 1998, eles eram 45,4% do total.
Nesses últimos cinco anos, os estudantes da rede média pública passaram a ser mais representativos do que os da rede privada, que diminuíram sua participação no total de estudantes de 49,4% para 45% no mesmo período.

O reforço
Foi para atender a esses dois públicos (mais velhos e oriundos da rede pública) que o centro universitário UniCarioca, do Rio de Janeiro, criou no ano passado cursos on-line gratuitos de português e matemática para ajudar estudantes com dificuldades nessas duas disciplinas do ensino médio.
Projeto semelhante foi iniciado também em 2003 pelo centro universitário UniverCidade, também do Rio, que criou o Programa de Apoio Pedagógico, com o objetivo de dar um reforço para estudantes em disciplinas em que foram constatadas um alto índice de reprovação no primeiro ano. Entre os cursos oferecidos, também estão os de texto e de matemática.
Em São Paulo, a universidade UniCid detectou há quatro anos essa necessidade e criou um programa de oficinas que tenta, entre outras coisas, dar um atendimento personalizado a estudantes com dificuldade ou vontade de dominar um assunto necessário para o acompanhamento das aulas. Uma das oficinas é a de texto.
A Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) também criou, no ano passado, um programa de reforço escolar para o conjunto de seus estudantes.
O objetivo da Uerj era preparar a universidade para a chegada dos calouros que, pela primeira vez, foram admitidos pelo sistema de cotas raciais e para a rede pública. As aulas desse programa são abertas a todos os estudantes.
Neste ano, denominado Pró-Iniciar, o projeto tem aulas de inglês para universitários que não tiveram a oportunidade de aprender o idioma no ensino médio.
"Com maior liberdade para elaborar o processo seletivo e por causa de uma estratégia de mercado das instituições privadas, o primeiro ano das universidades passou a ser realmente o filtro que indica se o aluno continuará estudando ou não. Não são estudantes despreparados intelectualmente, mas são alunos que podem ter perdido o hábito de aprendizagem. Oferecer esse reforço aos estudantes é como dar um voto de confiança na sua capacidade de aprender e reconhecer a realidade do ensino médio público brasileiro", afirma o reitor da UniCarioca, Celso Niskier.
Denise Campos, pró-reitora-adjunta de ensino da UniCid, afirma que a universidade precisa assumir sua responsabilidade a partir do momento em que o estudante passa pelo processo seletivo da instituição. "Em vez de colocar a culpa no ensino médio e ficar lamentando a situação da educação, achamos que a universidade deve assumir a sua responsabilidade. Não adianta querer se isentar e dizer que o estudante que chegou à instituição já veio com falhas do ensino médio", afirma.
Paulo Alonso, vice-reitor da UniverCidade, concorda: "No ano passado, iniciamos o programa com 95 estudantes. Neste ano, já são 737. Isso mostra que é um dever da universidade fazer com que os alunos tenham acesso a programas de nivelamento, principalmente aqueles de origem mais humilde, que são os que mais precisam".


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