São Paulo, sábado, 15 de maio de 2004

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EDUCAÇÃO

Segundo especialistas, proposta fará classe média buscar colégios do Estado para facilitar acesso à universidade

Cotas vão estimular corrida à escola pública

Patrícia Santos - 06.jan.2003/Folha Imagem
Candidatos durante a prova da Fuvest no prédio da Politécnica/ USP


LAURA CAPRIGLIONE
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

O projeto de lei, anunciado anteontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prevê a reserva de 50% das vagas das instituições federais de ensino superior para alunos que cursaram o ensino médio na rede pública vai estimular uma corrida da classe média às escolas públicas do país.
É essa a análise de especialistas ouvidos pela Folha, entre eles, o ex-ministro da Educação Cristovam Buarque e o coordenador do Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação da Universidade de São Paulo (Naeg-USP), o professor Adilson Simonis, do Instituto de Matemática e Estatística.
Dados do Exame Nacional de Cursos mostram que 41,8% dos estudantes que entram todos os anos nas instituições federais de ensino superior já são oriundos do ensino médio público.
Com a medida proposta pelo governo, esse percentual aumentará em 8,2 pontos, até atingir a cota de 50% das vagas. Segundo o Censo Escolar, em 2002, as instituições federais de ensino superior ofereceram 106.320 vagas para processo seletivo.
De uma penada, portanto, serão abertas cerca de 9.000 vagas a formandos do ensino médio público. "É como se fosse criada uma nova USP, só para estudantes de escolas públicas", diz o professor Simonis, lembrando que a USP admite 8.500 calouros a cada ano. De outro lado, para os egressos do ensino particular, é como se toda uma USP desaparecesse.

Concorridos
O principal atrativo para a migração da classe média rumo à escola pública, no entanto, é que as novas vagas se concentrarão nos cursos mais concorridos, aqueles em que o número de candidatos por vaga é maior e nos quais os estudantes das escolas públicas, quando existem, são exceções.
Em cursos pouco concorridos, como letras, geografia ou licenciatura, o percentual de estudantes provenientes de escolas públicas já é próximo ou superior a 50%. O projeto do governo, portanto, pouco mudará a realidade dessas faculdades.
Nos cursos mais disputados, aqueles que oferecem possibilidades de profissionalização maior, com melhores padrões de remuneração, o projeto do governo tem um forte impacto.
Exemplos de escolas nessas condições são medicina, engenharia, computação e jornalismo.
Para os alunos egressos do ensino médio privado, as vagas em disputa nessas escolas, com a medida, caem pela metade. Aumentarão, portanto, as notas para passar no vestibular.
Já se sabe que, num primeiro momento, os 50% restantes, sendo reservados para egressos da escola pública, terão notas bem mais baixas, já que a escola pública tem performance educacional inferior à das particulares, segundo o Ministério da Educação.
Se a USP adotasse a cota de 50%, numa simulação feita pelo Naeg, entrariam em medicina calouros com pontuação 54% menor do que a atualmente exigida.
Na Faculdade de Direito, poderiam entrar alunos com pontuação também 54% menor. Detalhe: o novo estudante começaria o curso, mesmo que cravasse nota zero em português ou história.
Isso significa, na prática, que uma classe de calouros terá alunos superqualificados ao lado de outros menos preparados.

Repercussão
Simonis acha que a cota, tal como proposta pelo governo federal, só terá chances de sucesso se vier acompanhada de outras medidas, destinadas a evitar que alunos provenientes das escolas públicas acabem abandonando a faculdade, por não conseguir acompanhar as aulas.
"O governo federal terá de cuidar de uma demanda extra por moradia, alimentação, transporte e material didático, já que os alunos da escola pública também são mais carentes do que os da escola particular", lembra Simonis.
Otimista, o ex-ministro da Educação Cristovam Buarque acredita ser provisório o desnível entre estudantes que entrarem na universidade pela cota e os demais. "A grande vantagem do projeto é que teremos a classe média se deslocando para a escola pública. Isso vai prestigiá-la. Essa "nova" clientela vai exigir mais qualidade de ensino", avalia. Para ele, "é uma iniciativa para reduzir a exclusão educacional".


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