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Rejeitada 2 vezes, menina fica com casal gay
Depois de adotar criança em nome de um dos parceiros, dois homens voltam à Justiça para registrá-la com dois pais
Assistente social diz que os 3 sofreriam mais preconceito
porque, além de serem gays,
a menina é negra; eles vêem
"tranqüilidade" na adoção
DA REPORTAGEM LOCAL
N., 5, fixa os olhos escuros em
um dos dois pais que hoje são
sua família. "Acho que ainda
não caiu a ficha dela", diz o vendedor N.C., 43, que respira fundo antes de começar a narrar a
odisséia pessoal, que sabe de
cor, para adotar uma criança
com o bancário F.M, 43, com
quem vive há 14 anos.
Até que N. chegasse, miúda e
quieta, no dia 9 de fevereiro do
ano passado, muita coisa aconteceu na vida dos três. Rejeitada pela mãe biológica, e três
anos depois pela adotiva -que
a devolveu ao orfanato ao gerar
um filho-, era menina de pouco falar, o olhar sempre baixo.
Hoje ela brinca com o laptop,
sentada na cama enfeitada de
bichos em seu quarto cor-de-rosa, vestida também de rosa,
com a mochila rosa arrumada
para ir à escola. "Tentamos evitar, mas não adianta, ela quer
rosa, então nós damos rosa."
"Quando a gente procurou
[na comarca], colocamos assim: independentemente de
cor ou de qualquer coisa, queremos uma criança". N. é negra.
Também por isso, os três fazem
terapia de família com o psicólogo. "A assistente social até
alertou que nós sofreríamos o
preconceito homossexual junto com o de cor, mas tem sido
tranqüilo", diz N.C.
Mas a batalha está pela metade. Com medo de ter o pedido
negado, a adoção foi feita somente no nome de F.M. Só depois de tê-la aceita, com a certidão de guarda na mão, é que
ambos fizeram um novo pedido
no nome dos dois há pouco
mais de dois meses.
Foi preciso muita insistência
para que a adoção se concretizasse. O começo foi em 2005,
quando F.M. procurou a Comarca de Porto Alegre em busca de uma filha. Percebeu que a
longa fila levaria muito tempo e
partiu para outras comarcas do
interior do Estado. Achou N.
em São Lourenço (RS).
Em outubro do ano passado
N. teve sua festa de aniversário,
com direito a bolo na escola.
Claro, as crianças são curiosas,
mas N.C. diz que "é bem tranqüilo" -as professoras criaram
até o slogan "família diferente",
para explicar que nem toda família tem papai, mamãe e filhinho, todos da mesma cor.
N.C. parou de trabalhar para
cuidar de N., que faz balé e inglês. Às sextas vão para o sítio.
Verdade que o Dia das Mães
exigiu paciência. "Imagina um
bando de mulher e só tu de homem? Mas por ela a gente encara", diz N.C.. "A gente não inventa história", diz o pai, tranqüilo. "Quando chegar a hora e
a idade certa, abrimos o jogo."
Curitiba
O preconceito também não
preocupa o possível primeiro
casal gay a adotar em Curitiba.
Após três anos, o professor Toni Reis, 43, e o tradutor David
Harrad, 50, juntos há 18 anos,
foram habilitados a adotar um
menino e uma menina.
Questionados se a criação
dos filhos numa família de dois
pais seria diferente, dizem em
coro que "não". "Colocaremos
na escola, participaremos do
colégio, jogaremos bola [ou
não]. Vamos assistir àqueles filmes infantis... e tudo mais."
A ansiedade é grande. Por isso eles viajaram na sexta, de férias -esperam, sejam "as últimas férias sem as crianças".
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