São Paulo, quarta-feira, 15 de agosto de 2001

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URBANIDADE

O sorvete que entrou na história

LADEIRA SEM NOME Vila Madalena tem tantas ladeiras que algumas ficaram sem nome. As ladeiras impõem lentidão ao andar das pessoas. O andar é um balanço que influencia o corpo inteiro: até os gestos ficam lentos. O observador percebe algo que elude as explicações: a surpresa de sentir-se distante e, ao mesmo tempo, tenazmente presente. Entre Fradique Coutinho e rua Girassol (VINCENZO SCARPELLINI)

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Um dos prazeres de Manuela de Castro é caminhar pelas ruas de Higienópolis. Desse prosaico prazer surgiu um livro escrito por crianças e vai surgir ainda um museu de rua.
Manuela cultivou o costume das caminhadas na cidade portuguesa do Porto, onde nasceu, e reforçou-o em Paris durante os tempos da pós-graduação em pedagogia. Em São Paulo, escolheu viver em Higienópolis, bairro em que os idosos ainda mantêm o hábito de passear a pé.
Proprietária da escola Carlitos, a poucos metros de sua casa, incomodava-se com o fato de os alunos não conhecerem a história do bairro e quase sempre estarem trancados em automóveis. Certa vez, ela contou a alguns deles que, antigamente, não havia grades na praça Buenos Aires. "Ficaram surpresos com a imagem de uma praça sem grades", lembra.
Pediu aos professores das mais diversas matérias, de artes a português, passando por história e por estudos sociais, que tirassem os alunos da sala de aula e os pusessem na rua. Passaram a ir atrás de documentos, fotos, depoimentos de velhos moradores e reportagens de jornais antigos. O esforço de um ano resultou no livro "Um Bairro Chamado Higienópolis", de 150 páginas.
Descobriram, entusiasmados, que dona Veridiana Valéria da Silva, mulher divorciada, raridade na época, importara da Europa uma máquina de fazer sorvete. Um dos grandes acontecimentos da elite paulistana era tomar sorvete na mansão, construída em 1884, no estilo de um castelo francês do Renascimento, hoje sede do fechadíssimo São Paulo Club. Até então o nome Veridiana na placa de rua em que está a mansão nada significava -muito menos sorvete. Também não imaginavam que a Faap tivesse sido criada por iniciativa de um milionário que tinha vergonha do atraso cultural brasileiro e que pretendia estimular a produção artística.
Na garimpagem das fotos, viram, na avenida Higienópolis, até então de terra batida, um bonde puxado por burros. Durante a reconstrução histórica, tomaram conhecimento da guerra entre os alunos da USP e os do Mackenzie na rua Maria Antônia. Neste ano, está programado que o livro saia do papel. As fotos, devidamente explicadas em textos escritos por alunos, deverão ser expostas ao ar livre. Manuela já sabe exatamente onde vai montar a exposição: na praça Buenos Aires. Simplesmente pelo prazer de mostrar aquele espaço sem grades.

E-mail - gdimen@uol.com.br



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