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URBANIDADE
O sorvete que entrou na história
LADEIRA SEM NOME Vila Madalena tem tantas ladeiras que algumas ficaram sem nome. As ladeiras impõem lentidão ao andar das pessoas. O andar é um balanço que influencia o corpo inteiro: até os gestos ficam lentos. O observador percebe algo que elude as explicações: a surpresa de sentir-se distante e, ao mesmo tempo, tenazmente presente. Entre Fradique Coutinho e rua Girassol (VINCENZO SCARPELLINI)
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Um dos prazeres de Manuela de Castro é caminhar pelas ruas de Higienópolis.
Desse prosaico prazer surgiu um
livro escrito por crianças e vai
surgir ainda um museu de rua.
Manuela cultivou o costume
das caminhadas na cidade portuguesa do Porto, onde nasceu, e
reforçou-o em Paris durante os
tempos da pós-graduação em
pedagogia. Em São Paulo, escolheu viver em Higienópolis, bairro em que os idosos ainda mantêm o hábito de passear a pé.
Proprietária da escola Carlitos, a poucos metros de sua casa,
incomodava-se com o fato de os
alunos não conhecerem a história do bairro e quase sempre estarem trancados em automóveis. Certa vez, ela contou a alguns deles que, antigamente,
não havia grades na praça Buenos Aires. "Ficaram surpresos
com a imagem de uma praça
sem grades", lembra.
Pediu aos professores das mais
diversas matérias, de artes a português, passando por história e
por estudos sociais, que tirassem
os alunos da sala de aula e os pusessem na rua. Passaram a ir
atrás de documentos, fotos, depoimentos de velhos moradores
e reportagens de jornais antigos.
O esforço de um ano resultou no
livro "Um Bairro Chamado Higienópolis", de 150 páginas.
Descobriram, entusiasmados,
que dona Veridiana Valéria da
Silva, mulher divorciada, raridade na época, importara da
Europa uma máquina de fazer
sorvete. Um dos grandes acontecimentos da elite paulistana era
tomar sorvete na mansão, construída em 1884, no estilo de um
castelo francês do Renascimento,
hoje sede do fechadíssimo São
Paulo Club. Até então o nome
Veridiana na placa de rua em
que está a mansão nada significava -muito menos sorvete.
Também não imaginavam que
a Faap tivesse sido criada por
iniciativa de um milionário que
tinha vergonha do atraso cultural brasileiro e que pretendia estimular a produção artística.
Na garimpagem das fotos, viram, na avenida Higienópolis,
até então de terra batida, um
bonde puxado por burros. Durante a reconstrução histórica,
tomaram conhecimento da
guerra entre os alunos da USP e
os do Mackenzie na rua Maria
Antônia. Neste ano, está programado que o livro saia do papel.
As fotos, devidamente explicadas em textos escritos por alunos, deverão ser expostas ao ar
livre. Manuela já sabe exatamente onde vai montar a exposição: na praça Buenos Aires. Simplesmente pelo prazer de mostrar aquele espaço sem grades.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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