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NOVO CÓDIGO CIVIL
Câmara começa a votar legislação; relator propõe que mudanças vigorem em dois anos
Virgindade deixa de anular união
ROBERTO COSSO
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O novo Código Civil, que começou a ser votado ontem na Câmara dos Deputados, vai acabar com
o direito do homem de devolver a
mulher, até dez dias depois do casamento, se descobrir que ela não
era mais virgem.
O Código Civil em vigor, que foi
aprovado em janeiro de 1916, considera "erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge" e, portanto,
causa para anulação do casamento, "o defloramento da mulher, ignorado pelo marido".
A lei dispõe que, nesses casos, a
ação tem de ser proposta até dez
dias após o casamento. A limitação ocorre para que a perícia possa verificar se a mulher era virgem
ou não quando se casou.
Após o marido ingressar com a
ação, caso queira se defender, a
mulher tem de se submeter a exames ginecológicos feitos por peritos judiciais para tentar provar
que se casou virgem.
De 12 a 15 dias
O hímen -membrana da vagina- demora de 12 a 15 dias para
cicatrizar depois de rompido. Se
os peritos concluírem que o hímen já estava cicatrizado, o casamento é anulado e os dois cônjuges voltam a ser solteiros, segundo as regras ainda em vigor.
Apesar de a Constituição de
1988 ter igualado homens e mulheres perante a lei e de não ser
possível verificar se um homem é
ou não virgem quando se casa, a
maioria dos grandes especialistas
do direito civil brasileiro acredita
que o dispositivo do Código Civil
de 1916 ainda vale.
"Quando for possível comprovar que o homem não se casou
virgem, a mulher poderá pedir a
anulação do casamento", afirma a
professora de direito civil Maria
Alice Lotufo, da PUC-SP.
Os maiores doutrinadores de
direito civil -como Washington
de Barros Monteiro, Sílvio Rodrigues e Maria Helena Diniz- não
fazem ressalva sobre a regra do
Código Civil em seus livros.
Casamento anulado
Em 1998, o Tribunal de Justiça
do Espírito Santo confirmou uma
sentença proferida no município
de Alegre (ES) que anulava um
casamento porque a mulher supostamente não era virgem.
"Comprovado nos autos, através do laudo de exame de conjunção carnal, o defloramento da
mulher, o que era ignorado pelo
marido, acertada a decisão que
anula o casamento (...) por erro
essencial sobre a pessoa do cônjuge, já que a ação foi proposta antes
de dez dias da celebração do enlace", escreveu o desembargador
José Eduardo Grandi Ribeiro.
Esse entendimento, contudo,
não é unânime entre os juízes. Em
outro caso, o Tribunal de Justiça
de Minas Gerais considerou "pedido juridicamente impossível" a
anulação de casamento por falta
de virgindade da mulher, por causa da Constituição.
Ao longo de seus 85 anos de vigência, o Código Civil de 1916 permitiu a anulação de inúmeros casamentos. Não existem estatísticas precisas, mas os livros de jurisprudência -que transcrevem
apenas os casos mais relevantes- publicaram algumas centenas de casos.
O procedimento normalmente
adotado pela mulher que sofre a
ação de anulação de casamento
por erro essencial quanto à pessoa
é não apresentar defesa. Geralmente a ação corre à revelia e o casamento acaba anulado.
Em 1968, o pernambucano
M.O. ingressou com ação contra
sua mulher, C.S.O., afirmando
que ela não era virgem quando se
casou. O marido levou duas testemunhas que teriam ouvido a
"confissão" da mulher. A mulher
não se defendeu.
O juiz de primeira instância
anulou o casamento, mas o Tribunal de Justiça de Pernambuco
considerou que a prova testemunhal não bastava e modificou a
decisão. Os arquivos judiciais não
relatam se M.O. e C.S.O. voltaram
a morar juntos.
Na década de 1960, um paulista
ingressou com ação de anulação
de casamento, e sua mulher apresentou defesa. Depois de ela se
submeter a sete perícias, o casamento foi anulado. Por quatro votos a três os peritos concluíram
que a noiva não se casou virgem.
Criticada por seu conteúdo moral, a norma que prevê a anulação
de casamento por falta de virgindade é também atacada pela classe médica. De acordo com eles, o
hímen não é garantia de virgindade e que sua falta não prova a existência de relações sexuais anteriores.
Nova redação
De acordo com o texto do novo
Código Civil, a ausência de virgindade não é mais causa para anulação do casamento.
Da mesma forma, o texto acaba
com o dispositivo que permite ao
pai utilizar a "desonestidade da filha" que vive em sua casa como
motivo para deserdá-la.
A futura legislação estabelecerá
também que o marido vai poder
adotar o sobrenome da mulher e
criará um novo regime de bens no
casamento.
Depois de aprovado, o texto vai
para sanção do presidente Fernando Henrique Cardoso. Pela
forma como está hoje, o novo Código entraria em vigor um ano
após sua aprovação.
A Folha apurou, contudo, que o
relator do projeto de lei do Código
Civil, deputado Ricardo Fiúza
(PPB-PE), negocia a ampliação
desse prazo para dois anos, de
modo a permitir a correção de
eventuais falhas do texto.
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