São Paulo, quarta-feira, 15 de agosto de 2001

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NOVO CÓDIGO CIVIL

Câmara começa a votar legislação; relator propõe que mudanças vigorem em dois anos

Virgindade deixa de anular união

ROBERTO COSSO
LEILA SUWWAN


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O novo Código Civil, que começou a ser votado ontem na Câmara dos Deputados, vai acabar com o direito do homem de devolver a mulher, até dez dias depois do casamento, se descobrir que ela não era mais virgem.
O Código Civil em vigor, que foi aprovado em janeiro de 1916, considera "erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge" e, portanto, causa para anulação do casamento, "o defloramento da mulher, ignorado pelo marido".
A lei dispõe que, nesses casos, a ação tem de ser proposta até dez dias após o casamento. A limitação ocorre para que a perícia possa verificar se a mulher era virgem ou não quando se casou.
Após o marido ingressar com a ação, caso queira se defender, a mulher tem de se submeter a exames ginecológicos feitos por peritos judiciais para tentar provar que se casou virgem.

De 12 a 15 dias
O hímen -membrana da vagina- demora de 12 a 15 dias para cicatrizar depois de rompido. Se os peritos concluírem que o hímen já estava cicatrizado, o casamento é anulado e os dois cônjuges voltam a ser solteiros, segundo as regras ainda em vigor.
Apesar de a Constituição de 1988 ter igualado homens e mulheres perante a lei e de não ser possível verificar se um homem é ou não virgem quando se casa, a maioria dos grandes especialistas do direito civil brasileiro acredita que o dispositivo do Código Civil de 1916 ainda vale.
"Quando for possível comprovar que o homem não se casou virgem, a mulher poderá pedir a anulação do casamento", afirma a professora de direito civil Maria Alice Lotufo, da PUC-SP.
Os maiores doutrinadores de direito civil -como Washington de Barros Monteiro, Sílvio Rodrigues e Maria Helena Diniz- não fazem ressalva sobre a regra do Código Civil em seus livros.

Casamento anulado
Em 1998, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo confirmou uma sentença proferida no município de Alegre (ES) que anulava um casamento porque a mulher supostamente não era virgem.
"Comprovado nos autos, através do laudo de exame de conjunção carnal, o defloramento da mulher, o que era ignorado pelo marido, acertada a decisão que anula o casamento (...) por erro essencial sobre a pessoa do cônjuge, já que a ação foi proposta antes de dez dias da celebração do enlace", escreveu o desembargador José Eduardo Grandi Ribeiro.
Esse entendimento, contudo, não é unânime entre os juízes. Em outro caso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais considerou "pedido juridicamente impossível" a anulação de casamento por falta de virgindade da mulher, por causa da Constituição.
Ao longo de seus 85 anos de vigência, o Código Civil de 1916 permitiu a anulação de inúmeros casamentos. Não existem estatísticas precisas, mas os livros de jurisprudência -que transcrevem apenas os casos mais relevantes- publicaram algumas centenas de casos.
O procedimento normalmente adotado pela mulher que sofre a ação de anulação de casamento por erro essencial quanto à pessoa é não apresentar defesa. Geralmente a ação corre à revelia e o casamento acaba anulado.
Em 1968, o pernambucano M.O. ingressou com ação contra sua mulher, C.S.O., afirmando que ela não era virgem quando se casou. O marido levou duas testemunhas que teriam ouvido a "confissão" da mulher. A mulher não se defendeu.
O juiz de primeira instância anulou o casamento, mas o Tribunal de Justiça de Pernambuco considerou que a prova testemunhal não bastava e modificou a decisão. Os arquivos judiciais não relatam se M.O. e C.S.O. voltaram a morar juntos.
Na década de 1960, um paulista ingressou com ação de anulação de casamento, e sua mulher apresentou defesa. Depois de ela se submeter a sete perícias, o casamento foi anulado. Por quatro votos a três os peritos concluíram que a noiva não se casou virgem.
Criticada por seu conteúdo moral, a norma que prevê a anulação de casamento por falta de virgindade é também atacada pela classe médica. De acordo com eles, o hímen não é garantia de virgindade e que sua falta não prova a existência de relações sexuais anteriores.

Nova redação
De acordo com o texto do novo Código Civil, a ausência de virgindade não é mais causa para anulação do casamento.
Da mesma forma, o texto acaba com o dispositivo que permite ao pai utilizar a "desonestidade da filha" que vive em sua casa como motivo para deserdá-la.
A futura legislação estabelecerá também que o marido vai poder adotar o sobrenome da mulher e criará um novo regime de bens no casamento.
Depois de aprovado, o texto vai para sanção do presidente Fernando Henrique Cardoso. Pela forma como está hoje, o novo Código entraria em vigor um ano após sua aprovação.
A Folha apurou, contudo, que o relator do projeto de lei do Código Civil, deputado Ricardo Fiúza (PPB-PE), negocia a ampliação desse prazo para dois anos, de modo a permitir a correção de eventuais falhas do texto.



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