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MINHA HISTÓRIA JOSÉ CLEVES DA SILVA
Culpado por suspeita
Foram três tiros na cabeça de minha mulher
O delegado, agora no caso Bruno, tentou me incriminar Decidi, então, investigar o caso por conta própria
Bruno Magalhaes /Folhapress
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O repórter José Cleves da Silva posa para foto
RESUMO
José Cleves da
Silva era repórter especialista em apurar casos de
corrupção policial quando, aos 50 anos, foi vítima
de um assalto e perdeu a
mulher, Fátima Silva, 39,
assassinada. Cinco dias
depois, passou de vítima a
suspeito: foi indiciado por
homicídio pelo delegado
Edson Moreira -hoje responsável pelo caso Bruno.
Cleves provou falhas na
investigação da polícia e
foi absolvido. Os assaltantes nunca foram presos.
CRISTINA MORENO DE CASTRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Foi em 10 de dezembro de
2000, por volta de 20h, em
Belo Horizonte. Eu e minha
mulher voltávamos das compras de Natal. Carro parado,
a gente tentava acessar a via
expressa quando veio o barulho: um cara batendo, arma
na mão, pedindo para baixar
o vidro. Eram dois homens,
um de cada lado do veículo.
Entraram, mandaram tocar para um ambiente ermo.
Senti a arma na minha nuca.
Pegaram R$ 500. O que estava do meu lado viu o celular
da minha mulher, pediu, ela
assustou, o celular caiu. "Então toma", ele falou. Disparos na frente do meu nariz.
Três tiros na cabeça dela.
Eles correram. Comecei a
tremer, entrei em pânico, gritei. Fui para a via chamar socorro, até que chegou a cavalaria. Não tinha mais o que
fazer. Ela já estava morta.
A ACUSAÇÃO
Na época eu estava em
conflito com a cúpula das polícias Civil e Militar. Vinha de
uma sequência de reportagens publicadas pelo jornal
"Estado de Minas". Fui finalista do prêmio Esso de jornalismo três vezes, denunciando a corrupção policial.
No dia 12, o secretário de
Segurança Pública designou
um delegado para investigar
a morte de minha mulher,
Edson Moreira, esse mesmo
do caso do goleiro Bruno.
De um dia para o outro, me
informaram que foi encontrada uma arma lá. Essa arma era de um cabo da PM e
esse cabo teria dito que ela
foi comprada por mim. No
dia 15, fui indiciado pelo homicídio de minha mulher.
Tem que ter motivação para matar a mãe dos seus cinco filhos. Eu não tinha. Minha testemunha central era
minha sogra, que me defendeu. Meus filhos ficaram comigo. Não sabiam se choravam pela perda da mãe ou
pela injustiça da polícia.
A COBRANÇA
Edson Moreira tinha quatro laudos, nenhum me incriminava. Não pus a mão naquela arma, não era a mesma
do crime. O que o delegado
fez? Mandou reter os laudos
no Instituto de Criminalística
para que o promotor não tivesse conhecimento deles.
O indiciamento foi aberto
à imprensa, um teatro, e ali
ele disse: "Como você explica
o fato de que a arma encontrada, segundo a balística, é
a mesma do crime?". Mentiu
descaradamente. Respondi:
"Se a arma é a mesma, que o
senhor procure o dono, ele
deve saber o que aconteceu".
Para justificar que não tinha pólvora no meu braço,
resolveram colocar no laudo
que usei luva. Fizeram uma
segunda foto. A primeira tinha uma arma em cima de
uma pedra. Fizeram uma
montagem incluindo a luva.
Como é possível uma pessoa comprar a arma de um
desafeto, matar a mulher
sem nenhuma motivação,
usar luva para apagar as provas e depois deixar a luva e a
arma e chamar a polícia?
Uma semana após o assalto, vi que a imprensa embarcou na versão da polícia.
Em 21 de janeiro de 2001, a
TV Globo fez reportagem sobre o caso. No dia seguinte,
fui chamado de assassino
por uma mulher na presença
de minha filha, que disse:
"Mulher feia, né, papai!".
Fui pré-julgado. É o que está acontecendo agora no caso Bruno. Não vejo a mídia
questionar o delegado.
O "Estado de Minas" temeu corporativismo e imaginou que eu tinha cometido o
crime. Não pagou meu advogado [Marcelo Leonardo, então presidente da OAB-MG].
Vendo que era crime contra liberdade de imprensa,
meu advogado comprou a
briga. De graça. Deixei o jornal, pois não tinha apoio.
A REAÇÃO
Em agosto de 2001, eu,
meu filho mais velho e dois
colegas começamos a investigar o assalto. Chegamos à
quadrilha. Mas o rapaz que
havia matado minha mulher
tinha sido assassinado.
Enquanto isso, tive que
implorar para não ser preso.
Me submeti a humilhações
da polícia, como, por exemplo, ser obrigado a reconstituir o assalto no mesmo carro
ensanguentado e com as
marcas recentes do crime.
Houve perseguição, coação de testemunha, telefone
meu grampeado. O negócio
não foi fácil, não. A gente se
sente muito pequeno diante
da opressão. A polícia já é
uma instituição forte e, com a
opinião pública a favor, com
colegas meus achando que
eu era criminoso, o processo
se encaminhando daquele
jeito, você vai fazer o quê?
Fiquei sem um tostão. Perdi meu apartamento. Fiz bicos. O diretor de um clube se
negou a aprovar a minha ficha de sócio, alegando que
eu era criminoso. É difícil retomar a vida quando a sociedade o tem como criminoso.
A REDENÇÃO
O julgamento foi dia 7 de
abril de 2006. Fui absolvido
por 7 a 0. O Ministério Público recorreu ao Tribunal de
Justiça, ao STJ e ao STF e eles
negaram todos os recursos.
Meu advogado elaborou
um processo por danos morais contra o Estado, que tinha a obrigação de punir os
matadores da minha mulher
e em momento nenhum investigou o assalto.
Pelo contrário, o Estado
em vez de investigar e punir
os matadores, foi querer imputar a mim -a única testemunha do fato e vítima- a
culpabilidade. Não interessava o assalto. Interessava tirar este repórter que incomodava muito à polícia.
Foi por isso que decidi escrever "A Justiça dos Lobos",
livro que acabou publicado
no ano passado.
Fui absolvido. Minha
grande preocupação, agora,
é o futuro da imprensa.
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