São Paulo, Domingo, 15 de Agosto de 1999
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CRIME
De janeiro a junho deste ano foram registrados na região metropolitana 718 assassinatos, 70% do total de 97
Impunidade agrava violência em Vitória

MALU GASPAR
enviada especial a Vitória

Tráfico de drogas, grupos de extermínio, violência policial. Agravados pela forte sensação de impunidade, esses ingredientes se somam para fazer da Grande Vitória, no Espírito Santo, a região metropolitana mais violenta do Brasil.
Um sistema de segurança pública sucateado completa o quadro e abre espaço para que o número de pessoas assassinadas cresça constantemente, deixando a população cada vez mais assustada.
De janeiro a junho, foram registrados na região metropolitana, segundo a prefeitura da capital, 718 assassinatos, 70% do total de 97, de acordo com o Datasus.
Só no município de Serra, o mais violento da Grande Vitória (que inclui também Cariacica, Vila Velha e Viana), os assassinatos registrados até julho passado já são 82% de todas as mortes de 97, sempre segundo o Datasus.

Tráfico
Um relatório elaborado pela prefeitura de Vitória, a partir de dados recolhidos com as polícias e os hospitais, mostra que, no primeiro semestre, 19% dos homicídios cuja causa é identificável estão relacionados ao tráfico.
Os motivos, nesses casos, são dívidas de drogas e disputas por bocas de fumo, o que faz com que a população morta seja predominantemente jovem -38% das pessoas assassinadas no primeiro trimestre tinham de 15 anos a 24 anos.
Os grupos de extermínio, apontados por todas as pessoas como parcela importante da criminalidade na região, não aparecem de forma clara no relatório.
Mesmo assim, sua existência é reconhecida até pelo governo do Estado do Espírito Santo.
Os crimes cometidos de madrugada, por homens armados em um carro ou uma moto, geralmente com características de crimes planejados, reforçam essa impressão.

Crime organizado
O arcebispo de Vitória, Silvestre Scandian, é um dos que extrapola os números.
"O tráfico, que se alastrou a partir do Rio de Janeiro, encontrou aqui uma polícia mal preparada e mal armada. Acabou criando ramificações dentro da própria polícia e com vários outros setores. Existe uma certa promiscuidade com braços do Estado. Aqui ninguém vai negar isso", afirma Scandian.
Nem o governo estadual nega que haja policiais que cometam crimes.
Mas o governador do Espírito Santo, José Ignácio Ferreira (PSDB), que também reconhece a existência dos grupos de extermínio, afirma que os policiais que participam dos grupos são muito poucos (leia entrevista na página 3-4).
As outras causas para os assassinatos identificadas no relatório semestral produzido pela prefeitura são, pela ordem, vingança, briga e assalto.
Pelos dados do primeiro semestre, a polícia aparece como possível culpada em apenas 2,2% dos homicídios.
O problema é que a maioria dos crimes não é solucionada.
O levantamento da prefeitura sobre o primeiro semestre deste ano mostra que, em 58% dos casos, não há causa provável para os crimes.
O chefe da divisão de homicídios do Estado do Espírito Santo, Germano Pedrosa, diz que apenas na metade dos inquéritos abertos o responsável é encontrado.
Além disso, o número de mortes apuradas pela prefeitura nos hospitais é bem maior que o número de ocorrências da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Espírito Santo, o que sugere uma subnotificação de homicídios (leia texto nesta página).
"A sensação de impunidade hoje é total. Além disso, os distritos estão tão mal organizados que se tornaram a última alternativa para as pessoas", diz Luiz Paulo Velloso Lucas (PSDB), prefeito da capital capixaba.
Em busca de uma alternativa, as comunidades locais têm se mobilizado para ajudar a polícia a comprar carros, reformar e construir sedes de delegacias. Em Serra, por exemplo, há bairros em que todas as reformas e carros foram compradas pelos moradores ou pela prefeitura.
"A gente não pode esperar que o Estado decida investir, temos que tomar providência", diz o líder comunitário Jesus Bezerra.



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