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São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 2003

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MOACYR SCLIAR

Eréteis & emergentes

1. Eréteis

Prefeito é investigado por comprar Viagra. Cotidiano, 10.set.2003

Há uma certa estranheza em relação a esta compra de Viagra por parte de um órgão público, mas será que se justifica tal estranheza? Não será a compra do medicamento parte de uma estratégia, nova e ousada, de mobilizar servidores? Algo que poderia até ter o nome de Município Erétil? O princípio básico do programa Município Erétil seria o seguinte: todo tipo de trabalho depende de uma atitude positiva, apaixonada, em relação à vida. Ou seja: a libido na sua versão mais pura, mais transcendente. A excitação, sublimada, seria canalizada para a realização de tarefas. A ereção como símbolo: de pé, vítimas da rotina! Nada tendes a perder, a não ser vosso tédio! No passado, tal disposição para o trabalho era conseguida mediante exortações, promessas, ameaças até. Acenava-se com progressão funcional, com aumento de salário... Tudo isso para conseguir alguma animação, quase sempre problemática. Mas os tempos mudaram e hoje a ciência tem soluções para tudo. Para que palavras, se uma substância química pode conseguir muito mais? E seu uso nem depende da vontade. O Viagra poderia, por exemplo, ser acrescentado à água de abastecimento. Ou dissolvido em refrigerantes, oferecidos gratuitamente aos servidores: a pausa que excita. Claro, tal programa enfrentaria muita resistência, sobretudo por partes de mentes retrógradas. Mas ao fim e ao cabo resultaria vitorioso. Desde que não fosse abortado por circunstâncias adversas do tipo eleições municipais. Terminar precocemente o Município Erétil seria um desastre. Algo equivalente a uma ejaculação prematura.

2 - Emergentes

Comércio mundial: EUA buscam emergentes. Folha Dinheiro, 9.set.2003

Encontrar os emergentes não é fácil. Por uma razão básica: antes de emergir, é preciso estar submerso. E estar submerso é complicado. A menos que a submersão ocorra nas águas límpidas do Caribe (em Cancún, por exemplo), o que acontece é uma desaparição total. Cheia de riscos. Submergir é enfrentar a imprevisibilidade. Quem submerge pode facilmente se enredar naquela traiçoeira planta aquática, o Juro Alto. Pode afundar na lama da Recessão. Isso quando não fica preso na Rede do Protecionismo, aparentemente colocada para auxiliar pescadores, mas que tem impedido a emergência de muitos.
Apesar de tudo, muitos conseguem, sim, emergir. E aí a tarefa é outra: fazer-se notado. Não é fácil, no imenso oceano da globalização, navegado apenas por alguns raros iates de luxo. É preciso chamar a atenção dos capitães, sempre distraídos, sempre voltados para os próprios interesses. É preciso conseguir que eles ajudem. O que não é fácil. Estão dispostos a atirar a corda do Capital Volátil (que rebenta ao primeiro puxão) ou a bóia do Empréstimo a Juros Altos, mas não vêem com bons olhos a ascensão dos emergentes a seus barcos, lugar para gente fina.
Emergir só salva a pessoa da submersão. Mas não garante um lugar ao sol. E muito menos garante bronzeador. De modo que, quem vai a Cancún, vai por sua conta e risco.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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