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MOACYR SCLIAR
Eréteis & emergentes
1. Eréteis
Prefeito é investigado por comprar
Viagra. Cotidiano, 10.set.2003
Há uma certa estranheza
em relação a esta compra
de Viagra por parte de um órgão
público, mas será que se justifica
tal estranheza? Não será a compra do medicamento parte de
uma estratégia, nova e ousada, de
mobilizar servidores? Algo
que poderia até ter o nome de
Município Erétil?
O princípio básico do programa Município Erétil seria o seguinte: todo tipo de trabalho depende de uma atitude positiva,
apaixonada, em relação à vida.
Ou seja: a libido na sua versão
mais pura, mais transcendente.
A excitação, sublimada, seria
canalizada para a realização de
tarefas. A ereção como símbolo:
de pé, vítimas da rotina! Nada
tendes a perder, a não ser vosso
tédio!
No passado, tal disposição para o trabalho era conseguida
mediante exortações, promessas, ameaças até. Acenava-se
com progressão funcional, com
aumento de salário... Tudo isso
para conseguir alguma animação, quase sempre problemática.
Mas os tempos mudaram e hoje
a ciência tem soluções para tudo. Para que palavras, se uma
substância química pode conseguir muito mais? E seu uso nem
depende da vontade. O Viagra
poderia, por exemplo, ser acrescentado à água de abastecimento. Ou dissolvido em refrigerantes, oferecidos gratuitamente aos
servidores: a pausa que excita.
Claro, tal programa enfrentaria muita resistência, sobretudo
por partes de mentes retrógradas. Mas ao fim e ao cabo resultaria vitorioso. Desde que não
fosse abortado por circunstâncias adversas do tipo eleições
municipais. Terminar precocemente o Município Erétil seria
um desastre. Algo equivalente a
uma ejaculação prematura.
2 - Emergentes
Comércio mundial: EUA buscam
emergentes. Folha Dinheiro,
9.set.2003
Encontrar os emergentes
não é fácil. Por uma razão
básica: antes de emergir, é preciso
estar submerso. E estar submerso é
complicado. A menos que a submersão ocorra nas águas límpidas
do Caribe (em Cancún, por exemplo), o que acontece é uma desaparição total. Cheia de riscos. Submergir é enfrentar a imprevisibilidade. Quem submerge pode facilmente se enredar naquela traiçoeira planta aquática, o Juro Alto. Pode afundar na lama da Recessão. Isso quando não fica preso
na Rede do Protecionismo, aparentemente colocada para auxiliar pescadores, mas que tem impedido a emergência de muitos.
Apesar de tudo, muitos conseguem, sim, emergir. E aí a tarefa é
outra: fazer-se notado. Não é fácil, no imenso oceano da globalização, navegado apenas por alguns raros iates de luxo. É preciso
chamar a atenção dos capitães,
sempre distraídos, sempre voltados para os próprios interesses. É
preciso conseguir que eles ajudem. O que não é fácil. Estão dispostos a atirar a corda do Capital
Volátil (que rebenta ao primeiro
puxão) ou a bóia do Empréstimo
a Juros Altos, mas não vêem com
bons olhos a ascensão dos emergentes a seus barcos, lugar para
gente fina.
Emergir só salva a pessoa da
submersão. Mas não garante um
lugar ao sol. E muito menos garante bronzeador. De modo que,
quem vai a Cancún, vai por sua
conta e risco.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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