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Da infelicidade de ser dinheiro brasileiro
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Era uma vez um dinheiro,
nota rala, farrapo de papel-moeda, desses que se carrega e... paga o desconforto do
ônibus ruim, o transporte sem
qualidade. A moedazinha leve
também não vale nada. Mas
onde está a felicidade? Não
bastava a Copa do Mundo?
Todo mundo de verde-amarelo, todo o Brasil "pra frente"?
Cadê o orgulho? Cadê o patriotismo, a baboseira toda?
Era tudo ilusão -o dinheiro
que o governo diz que tem (ou
tinha), não tem (ou não tinha), nunca teve. Os tais US$
70 "confortáveis" bilhões, as
tais "reservas" que esses homens engravatados enchem a
boca para dizer que o Brasil
tem (ou tinha). Nunca teve.
Era tudo dos outros.
Uma irresponsabilidade de
paletó e gravata. Agora é se
preparar para a sucessão de
desgraças: a compra da casa
própria com financiamento
(com prestação fixa, aquela
baboseira toda) era mentira.
Os 49% de juros ao ano vão inchar o saldo devedor, levar para o espaço a prestação.
Mas onde está a felicidade?
Não é no dinheiro? Quem tinha muito continuará tendo.
Rico brasileiro não arrisca. Ao
menor sinal de crise, despede
os empregados e manda seus
preciosos dólares para fora:
sem pagar taxa, sem declarar
no Imposto de Renda. Ouvi dizer que a dolaria sai toda escondida, por uma cidade obscura no Norte do país.
Quer dizer: o calote é duplo,
das elites do poder brasileiro,
os milionários daqui mesmo, e
dos gringos que aplicam dinheiro aqui para ganhar 49%
de juros ao ano e se mandarem
na hora que bem entendem.
É simples: O Brasil está na
miséria porque não poupa,
gasta mais do que ganha, fica
na mão dos agiotas, não cobra
imposto de quem deveria.
Trouxa é quem anda com esse papelzinho-moeda amarfanhado no bolso, é quem (como
o Brasil) está devendo aos
agiotas do cartão de crédito, é
quem comprou um carro popular em 36 prestações.
Era tudo mentira. Agora é se
preparar para perder o emprego, passar fome, ter o nome sujo na praça e virar bandido por
absoluta falta de opção: é assim que o Brasil fabrica bandidos aos magotes, de todos os
quilates e tipos.
Cadê o patriotismo? Cadê o
país maravilha do futebol? A
felicidade está no dinheiro que
tivéssemos, que não fosse brasileiro. A felicidade não está no
prazer do amor, não está na
virtude nem no conhecimento
-está na posse de bens exteriores, é isso que os governantes do Brasil ensinam. E eles
querem mais: querem se reeleger, continuar brincando de
faz-de-conta, arrombando os
cofres e os pobres de sempre.
Mas onde está a felicidade,
hein?, perguntava-se um escritor português. E ele começa a
responder descrevendo a merecida infelicidade humana:
"A história assim começa fria
e desgraciosamente. É uma espécie de Ano do Nascimento. A
descrição de uma tempestade,
saraiva a estalar nas vidraças,
o vento norte a assobiar nos
forros, o arvoredo secular a ramalhar rangendo, e duas dúzias mais de caretas que a natureza faz à humanidade espavorida (...)" (Camilo Castelo
Branco, "Onde Está a Felicidade?").
E-mailmfelinto@uol.com.br
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