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URBANIDADE
Vincenzo Scarpellini
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AVENIDA IPIRANGA Naufrágios urbanos, fúria das ondas, silêncio dos abismos. Ao olho que contempla a cidade de manhã cedo as ruas aparecem como um areal, submerso durante a noite, em que o fluxo da maré, retiradas as águas com lenta e infinita monotonia, abandona despojos e peixes encalhados nas grades dos condutos de areação.
(VINCENZO SCARPELLINI)
Vida "loca"
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Maria Madalena
Rutschka, quando, há
quatro anos, resolveu trabalhar
como motogirl, tinha pelo menos
duas idéias ao escolher a nova
profissão -uma delas inconfessável.
Desempregada, com quase 40
anos, viu na moto uma fonte de
renda para ela, que já estava
deslocada do mercado. Desesperada, encontrou uma saída para
não se matar e para aplacar a
dor provocada pela lembrança
do filho, que se afogou num rio
durante as férias. Era apenas
uma questão de tempo -Maria
Madalena imaginava- espatifar-se em colisão com algum automóvel. "Não conseguia suportar a perda do meu filho, precisava fazer algo tão agitado, elétrico, que não me deixasse pensar e também me ajudasse a ir
embora com ele."
Foi-se o desespero, ficou o emprego. Sentiu-se acolhida pela
tribo dos motoboys, aprendeu a
suportar a dor da perda do filho,
superou a vontade de se matar,
fez da profissão um jeito de viver
e, a partir deste mês, torna-se
uma das estrelas da tribo mais
visível e ruidosa da paisagem
paulistana.
Maria Madalena é uma das
personagens do documentário
"Motoboys, Vida Loca", do publicitário Caíto Ortiz e do jornalista Giuliano Cedroni, a ser lançado na próxima semana na
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Durante um
ano, eles acompanharam as
aventuras e desventuras de oito
motoboys para entender os códigos daquela tribo. "Queríamos
mostrar o outro lado desses personagens tão demonizados na
cidade", conta Giuliano. Para
Caíto, significou uma viagem
nesses personagens tão próximos, zanzando perigosamente
entre os automóveis, xingados
pelos motoristas, mas tão distantes. "Estamos captando um pedaço da alma de São Paulo, na
sua modernidade e no seu atraso", diz Caíto.
Além dos personagens, Caíto e
Giuliano saíram atrás das estatísticas e descobriram estupendas falhas. Ao desmontarem as
estatísticas oficiais, verificando
relatórios nos prontos-socorros e
ouvindo médicos, perceberam
que Maria Madalena estava certa quando viu na profissão um
jeito, digamos, prático de se suicidar. Eles puderam constatar
que os dados oficiais estão subestimados: a cada dia, morrem,
pelo menos, três motoqueiros em
São Paulo, o que faz da sua profissão a mais "loca" da cidade.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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