São Paulo, quinta, 15 de outubro de 1998

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INCULTA & BELA

"O que você quer que eu faça?"

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Nas últimas colunas, discutimos aspectos interessantes dessa classe de palavras que tantos matizes apresenta.
Já falamos do imperativo. Agora vamos falar do subjuntivo. Para quem já esqueceu, os modos verbais são três. Além do imperativo e do subjuntivo, temos o indicativo.
O subjuntivo expressa hipótese, possibilidade, dúvida, desejo. É por isso que se diz "Quero que você faça", e não "Quero que você faz".
Meu querer não basta para que você faça. Até de fato fazer, só existe a possibilidade de que você faça.
A mesma situação se verifica em frases como "É fundamental que você compareça". Por mais que seja fundamental, seu comparecimento -antes que de fato ocorra- não passa de mera hipótese.
Na língua do dia-a-dia, em algumas regiões do país -São Paulo, por exemplo-, o subjuntivo desaparece em frases como "O que você quer que eu faça?". É comum que esse "faça" vire "faço" ("O que você quer que eu faço?").
"Você quer que eu leio?", "Você quer que eu vou", "Ele não quer que eu saio" também são correntes.
Escritas, essas frases chocam. Na fala, são comuns.
Talvez haja explicação para isso. O indicativo expressa certeza, garantia. E as pessoas talvez prefiram o indicativo porque têm certeza de poder concretizar o ato. Afinal, a pergunta é "Você quer que eu...?". Sou eu que faço.
Não custa repetir que o uso do indicativo no lugar do subjuntivo não é comum em todas as regiões do país. Caetano Veloso um dia me disse que assistiu a um episódio do "Nossa Língua Portuguesa" em que discuto essa questão. "O que você disse sobre o indicativo no lugar do subjuntivo é verdade, mas não vale para o Brasil inteiro. Na Bahia não é assim", afirmou.
E Caetano tem razão. Lá é normal que se diga "O que você quer que eu faça/diga?"
Às vezes, a escolha entre o subjuntivo e o indicativo é fundamental para decidir o sentido da frase. O que você diria: "Eles insistem em que você participe" ou "Eles insistem em que você participa"?
Depende. Se a opção for por "participe", subjuntivo, manifesta-se o desejo de que você participe. Você ainda não participa, mas eles desejam isso.
Se a opção for por "participa", muda tudo. Eles passam a sustentar a tese de que você participa, ou seja, eles afirmam que você participa. O que existe, no fundo, é quase uma denúncia.
Como se vê, a escolha do modo verbal não é gelada, seca. O modo pode definir a intenção ou, em última análise, o sentido da frase.
Volto ao tema. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras

E-mail: inculta@uol.com.br



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