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OPINIÃO
Um caso de saúde pública
GILDA ALMEIDA DE SOUZA
Neste ano, o país foi surpreendido pelo derrame de medicamentos
falsificados no mercado. O crime,
que agride e assusta a população, é
apenas um dos sintomas da falência do sistema nacional de saúde e
mostra o agravamento de uma situação que não tem merecido dos
Poderes a atenção que exige.
Basta lembrar as denúncias sobre contaminação de produtos para nutrição parenteral, as mortes
consequentes de procedimentos
de hemodiálise impróprios e o
funcionamento de farmácias clandestinas em todo o Brasil.
Diante desse quadro, o secretário do órgão público responsável
pela fiscalização e controle dos
medicamentos diz que "a aplicação da legislação sanitária é uma
fábula" e que a Vigilância Sanitária não vai aplicar a lei vigente.
Durante encontro em Brasília no
início de setembro, Gonzalo Vecina Neto propôs que as entidades
ali presentes, entre elas a Federação Nacional dos Farmacêuticos,
firmassem um acordo para implantação de uma "assistência
farmacêutica temporária".
Em oposição a essa proposta estapafúrdia, a Fenafar propõe o
cumprimento da lei. Os medicamentos são insumo essencial à
promoção e à recuperação da saúde das pessoas; por isso, é fundamental considerá-los no âmbito
de uma política nacional de assistência farmacêutica, inserida numa política de saúde global. Saúde
é um bem público e, portanto, um
direito de todos, como reconhece
a Constituição brasileira.
O diagnóstico da doença que
deixa a sociedade à mercê dos falsificadores é simples e já motivou
até CPI no Congresso, mostrando
as contradições entre os interesses
econômicos predominantes e uma
política de saúde que atenda adequadamente a população. O Brasil
é o quarto mercado consumidor
de medicamentos no mundo,
atrás apenas de EUA, França e Itália, e representa 4% do faturamento mundial da indústria farmacêutica. Entre 1992 e 1996, o preço dos
medicamentos no Brasil subiu
178% -um aumento real de 30%
ao ano, com elevação de 145% no
lucro da indústria no período.
A busca indiscriminada do lucro
relega a segundo plano os interesses coletivos. É nesse contexto que
avança a indústria criminosa da
falsificação e da produção de remédios sem eficácia comprovada.
Quaisquer dispositivos que visem adequar as atividades comerciais do setor aos interesses da sociedade são combatidos e desrespeitados, como o decreto 793/93,
que obriga o uso da denominação
genérica (nome do princípio ativo) nas embalagens dos medicamentos, ao lado do nome fantasia.
Para mudar essa realidade, é necessário colocar em prática os
princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS), respeitando as diretrizes estabelecidas na Constituição. São urgentes a descentralização do sistema e a adoção de um
plano de atenção integral à saúde,
com prioridade para as ações preventivas e sem prejuízo das ações
assistenciais, com participação e
controle social. Deve haver universalidade de acesso a todos os
níveis de assistência, com preservação da autonomia do usuário.
Para combater a fraude, é preciso recadastrar os laboratórios produtores, verificar seus procedimentos técnicos e sua adequação
às especificações legais; apurar as
irregularidades existentes no setor
farmacêutico; e fazer cumprir o
decreto 793/93, com fiscalização
rigorosa da Vigilância Sanitária,
para impedir que a lei seja burlada.
Além disso, é imprescindível o
cumprimento da lei que exige a
presença do farmacêutico nos estabelecimentos de produção, distribuição e dispensação de remédios durante todo seu período de
funcionamento. O comércio de
medicamentos deve ser redefinido
com base no substitutivo Ivan Valente, em tramitação no Congresso, que conceitua farmácia como
estabelecimento de saúde e prevê
mecanismos de controle social para a autorização de abertura.
Finalmente, é necessária uma
atuação concreta e rápida do Judiciário no julgamento e na punição
dos responsáveis pelas fraudes.
Gilda Almeida de Souza, 52, é presidente da
Fenafar (Federação Nacional dos Farmacêuticos)
e diretora do Sindicato dos Farmacêuticos no
Estado de São Paulo
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