São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 2000

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JUSTIÇA
Adotado por família norte-americana aos 7 anos, João Herbert foi preso por tentar vender maconha a policial disfarçado
Sob protesto, EUA deportam brasileiro

Akron Beacon Journal
Herbert, que não fala português nem tem vínculos familiares no Brasil, deve chegar amanhã a S. Paulo e não poderá voltar aos EUA


MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Sob protestos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e de entidades de direitos humanos, o governo dos EUA vai deportar amanhã o brasileiro João Herbert, adotado em 1986 por uma família norte-americana em um orfanato paulista, quando tinha 7 anos.
Herbert está sendo expulso por ter sido pego em 1997 tentando vender uma pequena quantidade de maconha a um policial disfarçado no Estado de Ohio.
Hoje com 22 anos, ele não fala português nem tem vínculos familiares ou de amizade no Brasil.
Sua deportação será a primeira de três casos polêmicos envolvendo brasileiros adotados por famílias norte-americanas. Os três casos foram revelados pela Folha em fevereiro passado.
Djavam Arams Silva, legalmente adotado em 1987, quando tinha 10 anos, foi condenado por desacato à autoridade e agressão a um policial no Estado de Massachusetts. O brasileiro A.R.M.S., de 16 anos, foi tirado de um orfanato de Curitiba em 1996, quando tinha 13 anos. Foi preso na cidade de Saint Charles, no sul do Missouri, depois que seu irmão de oito anos o denunciou para uma professora na escola por violência sexual.
Por causa de leis polêmicas, o governo norte-americano os considera estrangeiros, embora tenham sido adotados legalmente, terem estudaram em escolas norte-americanas e sido aceitos pela comunidade de suas cidades nos Estados Unidos.
Herbert ficou preso por 28 meses em uma prisão de segurança média, embora a Justiça o tenha condenado apenas a prisão domiciliar pelo crime que cometeu.
O alongamento de seu tempo na cadeia ocorreu porque o governo brasileiro negou-se a fornecer os documentos de viagem necessários para sua extradição, argumentando que, quando foi adotado, Herbert deveria ter obtido automaticamente a nacionalidade norte-americana, como ocorre em qualquer outro país.
A deportação só está sendo possível porque Herbert, alegando não suportar mais as condições da cadeia, decidiu pedir pessoalmente os documentos ao governo brasileiro. "Herbert sempre foi brasileiro e sempre pôde ter o passaporte brasileiro. No entanto, não podíamos ter expedido um passaporte por exigência do governo dos EUA, mas sim por decisão pessoal de Herbert", disse o embaixador brasileiro em Washington, Rubens Barbosa.
A imigração norte-americana o acompanhará num vôo da TAM que sairá de Miami. Suas algemas só serão retiradas quando o avião entrar em águas internacionais. Quando chegar ao Brasil, Herbert ficará hospedado no Arsenal da Esperança, uma ONG localizada no bairro do Brás, que fica na região central de São Paulo. Ele nunca mais poderá colocar seus pés em terras norte-americanas.
A imigração norte-americana justifica sua decisão com base em duas leis altamente controversas, que só existem dentro dos EUA e são alvos de críticas no mundo.
A primeira, que cuida de adoções no país, não garante cidadania a crianças no momento da adoção, mas apenas (e se) os pais o naturalizarem.
Nenhum dos pais adotivos dos três jovens os haviam naturalizado. Eles alegam falta de informação e pensavam (equivocadamente) que seus filhos adotivos perderiam a nacionalidade brasileira se assim o fizessem.
"Eu queria que meu filho, quando crescesse, optasse por sua própria nacionalidade. É por essa razão que não dei entrada nos papéis", diz Jim Herbert, pai de João. "Estou destruído. Ele é meu filho, e eu o quero comigo."
A outra lei foi aprovada em 1996, após o atentado que destruiu um prédio federal em Oklahoma. Ela prevê que os estrangeiros condenados por qualquer crime sejam deportados depois que cumprirem pena.
Não há recurso contra a decisão de deportá-los, e a legislação não abre exceções para crianças estrangeiras adotadas.
Depois que a reportagem da Folha foi publicada em fevereiro, a Embaixada do Brasil em Washington (capital norte-americana) fez, sem sucesso, "gestões políticas" no Departamento de Estado dos EUA e com o governador do Estado de Ohio.


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