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São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2003

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INFÂNCIA

Segundo projeto, ONGs e fundações administrarão monitores e pedagogia; segurança continuará nas mãos do Estado

Alckmin deve entregar Febem a 3º setor

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo do Estado de São Paulo deve anunciar até o final deste ano que passará a gestão das unidades da Febem (Fundação para o Bem-Estar do Menor) para entidades do terceiro setor.
De acordo com o plano, a cujo esboço a Folha teve acesso, organizações não-governamentais (ONGs), organizações da sociedade civil de interesse público (Ocips) e fundações cuidarão já a partir do ano que vem dos monitores e de todo o aspecto pedagógico e profissionalizante dos internos e suas atividades; o Estado indicará o administrador da unidade e continuará respondendo pela segurança interna e externa.
O processo de escolha de tais entidades ainda não está definido, mas provavelmente será feito por licitação pública e deverá privilegiar nomes consagrados, que já apresentem um trabalho consistente com crianças e adolescentes.
Um fonte ouvida pela Folha cita como exemplo, entre outros, o Instituto da Cidadania, o Rotary Club do Brasil, a Fundação Bradesco, a Abrinq e a Fundação Ayrton Senna. Devem ser privilegiadas ainda entidades religiosas de diversas denominações que também tenham trabalho no setor, como a Fundação Mackenzie, de origem presbiteriana.
"O plano realmente existe, é ambicioso e mais eu não posso falar", disse à Folha Joaquim Maria Botelho, assessor de comunicação social da Febem. "Só que a idéia é abrir a entidade para a sociedade, e a sociedade para a entidade, o que não foi possível até hoje."
A Folha apurou que há uma pequena disputa interna pela paternidade do projeto e pela primazia de anunciá-lo publicamente. Pela lógica, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, o presidente da Febem, deveria fazer as honras. Não fará.
O secretário da Educação, Gabriel Chalita, a quem a entidade é subordinada, tomou para si e sua equipe a elaboração e execução do plano e deve anunciar a mudança ao lado do governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB).
Teria partido dele, Alckmin, a idéia de reestruturar a entidade, há cinco meses. Seu modelo é projeto parecido que funciona em algumas unidades da Grande Belo Horizonte com grande sucesso.

Ressalvas
Com plano ambicioso ou não, a relação da Febem com entidades não-governamentais nem sempre foi pacífica. Em diversas situações, representantes de Ocips, ONGs e fundações foram proibidos de entrar nas unidades, muitas vezes ferindo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Em julho, doze conselheiros tutelares (representantes da sociedade civil responsáveis por fiscalizar a aplicação do estatuto) que iriam apurar denúncias de agressão na Vila Maria 3 (zona norte de São Paulo) tiveram sua entrada barrada pela direção da unidade. O caso foi parar na delegacia.
Por isso mesmo, há quem veja com certo cuidado a iniciativa. É o caso do representante da comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e coordenador do grupo de trabalho para a implementação do ECA, Ariel de Castro Alves.
"Claro que a parceria é importante, até porque o estatuto prevê que a questão da infância e da juventude deve ser tratada pelo Estado, pelas famílias e a sociedade como um todo", disse ele. "Inclusive, as mesmas empresas envolvidas podem ajudar depois a colocação dos jovens no mercado."
O problema, segundo o representante da OAB, é ocorrer uma "privatização" da Febem, o que contrariaria totalmente a lei atual. "Aí sim seríamos totalmente contrários", disse Castro Alves.
Com ele concorda Wilson Tafner, promotor da Infância e Juventude. "A princípio uma participação maior da comunidade será sempre bem-vinda", disse ele. "Só temos de tomar cuidado para ver como isso será implantado."

Franco da Rocha
Tafner foi autor da representação que apura a responsabilidade pessoal dos dirigentes da Febem de Franco da Rocha (Grande São Paulo) em relação a irregularidades constatadas por juízes em vistoria no mês passado.
Em resposta a ela, na quarta-feira a juíza Mônica Ribeiro de Souza Paukoski, do Deij (Departamento de Execuções da Infância e da Juventude), decidiu que a Febem tem 20 dias para resolver os problemas estruturais e pedagógicos do prédio da unidade.
Todos os jovens da Unidade de Internação (UI) 31 e da Unidade de Internação Provisória 1 terão de receber escolarização e cursos profissionalizantes, atendimento médico, odontológico e psicossocial individualizado, ter monitores habilitados em número adequado, atividades de cultura e lazer, condições satisfatórias de higiene e salubridade e ser separados por critérios de idade, compleição física e gravidade do delito cometido -curiosamente, pelo novo plano, a maioria destas atribuições seria de responsabilidade das entidades civis.
Caso isso não ocorra, o presidente Oliveira e Costa poderá ser afastado do cargo pela Justiça.


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