São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

Uma maravilhosa agulhada na "cracolândia"


O projeto de Jaime Lerner pretende integrar a hoje degradada região da Luz a centros culturais e museus


AOS 67 ANOS , sem pretensões eleitorais, Jaime Lerner, renomado mundialmente devido às experiências que desenvolveu em Curitiba, resolveu dedicar-se ao prazer do que batizou de acupuntura urbana: são pequenas intervenções num ponto da cidade, que, como uma agulha espetada no corpo, tenham efeitos "terapêuticos".
Ele vem recebendo convites de prefeituras, dentro e fora do Brasil, para dar idéias sobre como revitalizar áreas deterioradas. Um dos projetos que mais o seduzem, neste momento, é colocar uma "agulha" na infeccionada "cracolândia", o apelido do bairro da Luz, em São Paulo.
Com apoio de oito grandes construtoras, desenhou um plano para fazer daquele bairro uma espécie de incubadora de artistas e de empresas de tecnologia da informação. "Raras vezes vi um lugar tão propício para fascinar toda uma cidade."
 

O que antes simbolizava a riqueza paulistana, com a chegada de estrangeiros de todo o mundo, virou a síntese da deterioração urbana. Por causa dos meninos e meninas fumando crack impunemente, a Luz passou a ser conhecida como "cracolândia" -uma terra sem lei, dominada por traficantes e rufiões, com complacência das autoridades, onde as agulhas mais conhecidas serviam para injetar drogas.
No início do ano, seus 110 mil m2 foram declarados de utilidade pública e transformados em um miniparaíso fiscal para quem quer investir e pagar menos imposto. "Só esses incentivos já atrairiam normalmente muita gente", acredita Lerner.
Atraíram, por exemplo, construtoras atrás de áreas para erguer prédios nos locais com melhor infra-estrutura -possibilidade cada vez mais rara na cidade. Tiveram, então, a iniciativa de entregar à prefeitura o plano do ex-prefeito de Curitiba.
 

Pelo plano, os empresários comprariam e derrubariam os imóveis sem valor histórico; em caso de alguma resistência, a prefeitura faria a desapropriação. Construiriam prédios baixos para escritórios e residências, com áreas de convivência que comporiam pequenas praças. "É fundamental que as pessoas não só trabalhem mas morem lá." Duas torres se destacariam. Uma, destinada a empresas de tecnologia, chamada de "aldeia digital". A outra seria a "aldeia das artes", onde pintores, cantores, atores, fotógrafos, produtores de vídeo, vivessem e trabalhassem. No andar térreo, usariam de graça auditórios e salas de exposições para mostrar suas obras.
Assim, segundo Lerner, haveria uma integração com a Sala São Paulo, a Estação Pinacoteca, a Pinacoteca, a Universidade Livre da Música, o Museu da Língua Portuguesa e as esculturas do parque da Luz.
 

O efeito acupuntura ocorreria porque, na visão dele, se estabeleceria, a partir dali, uma conexão espacial com o Teatro Municipal, os centros culturais da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, a sala de concerto do Colégio São Bento, além da rede de teatros que vai da praça Roosevelt ao Bexiga.
Mas o que, de fato, anima o arquiteto sobre a viabilidade de transformação da "cracolândia" é um detalhe nada desprezível. Como as construtoras têm interesse em ganhar dinheiro vendendo seus novos prédios na "cracolândia", não haveria custo para o poder público.


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