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São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 2003

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SAÚDE

ONGs reclamam da imagem de mulher-objeto da cantora, mas, para ministério, polêmica é "saudável"; doença cresce entre jovens

Campanha contra a Aids começa hoje com Kelly Key

DÉBORA YURI
DA REVISTA

A escolha da cantora Kelly Key, 19, mais recente fenômeno "teen" no universo da música pop nacional, provocou uma polêmica como há muito não se via nas campanhas de prevenção à Aids do Ministério da Saúde. A estréia da campanha deste ano acontece hoje, durante o programa "Sandy & Junior", da Rede Globo.
ONGs ligadas a portadores de HIV reclamaram de sua imagem de mulher-objeto. Para educadores, ela -mãe aos 17- seria o contra-exemplo para jovens.
Em plena polêmica, uma enquete feita pela Folha Online, sem valor de amostragem científica, revelava ampla vantagem para o coro dos contrários.
Até as 19h da última quinta-feira, 62% dos 3.030 votantes na Folha Online achavam que KK não tinha credibilidade para pregar sexo seguro. Outros 22% consideravam que sim ("Ela tem grande influência sobre os adolescentes"), e 16% acreditavam que a escolha poderia funcionar ("Ela gera polêmica e isso contribui para a divulgação").
É a esse último ponto que o ministério se agarra. "Não me arrependo da opção. A polêmica é saudável, porque a campanha ganhou notoriedade antes mesmo de ir ao ar", disse o ministro da Saúde, Humberto Costa, 45.
A escolha de KK se amparou no fato de a Aids estar ficando mais feminina e mais jovem. Segundo o levantamento mais recente do ministério (março de 2002), na década de 80, a média era de 6,5 casos masculinos para cada caso feminino. De 91 a 2001, essa proporção caiu para 2,4.
A situação é mais dramática na faixa etária entre 13 e 24 anos, exatamente o público-alvo da campanha. As novas ocorrências registradas de 2000 a março de 2002 mostram que as meninas infectadas foram 1.904, contra 1.842 meninos. Dos doentes notificados de 1980 a 2002, as jovens dessa faixa etária representam 16% do universo feminino infectado, e os rapazes, 11% do masculino.
Os especialistas afirmam que o maior problema são as adolescentes das classes C e D que estão na periferia dos grandes centros urbanos. "As meninas estão transando cada vez mais cedo, com homens mais velhos, e têm dificuldade em negociar o uso do preservativo com eles", explica o ministro da Saúde.
"A Kelly Key vende uma imagem de mulher jovem que tem poder de decisão numa relação a dois", afirma o ministro da Saúde.
Boa parte da polêmica reside na contestação dessa crença.
"Se uma menina do morro falar com o parceiro como a Kelly Key canta em suas músicas, leva uma porrada na cara", diz Willian Amaral, 36, secretário-geral da ONG Pela Vidda, do Rio.
Poucas propagandas foram recebidas sem debates. Cristina Gutemberg, 42, coordenadora da produção das campanhas do governo desde 94, se lembra de duas que ganharam a "simpatia" de todos: a de 99, que mostrava Regina Casé cantando marchinhas carnavalescas, e a de 97, em que perus dançavam ao som da música "Bota a camisinha nele".
Cristina já coloca a de KK no pódio das barulhentas -e acha isso muito bom. "Todo mundo está comentando e é preciso ter repercussão para funcionar."
Fazer barulho, porém, não é tudo, asseguram os profissionais da publicidade. "A polêmica só funciona quando é pertinente", diz Washington Olivetto, criador do primeiro comercial de preservativos da história da TV brasileira, em 1981. Ele não acredita que a busca da polêmica tenha sido deliberada, mas defende Kelly Key do tiroteio. "Acho meio provinciana essa coisa moralista em cima dela. Se fosse usada uma figura masculina com esse perfil popular e sexualmente explícito, ele não levaria tanta porrada."
O publicitário Alexandre Gama, presidente da agência Neogama, conta que são raros os clientes que apostam no "falem mal, mas falem de mim". "Na verdade, a maioria não quer polêmica alguma. Depois, a polêmica passa e a sujeira fica com a marca", diz. Não é esse o caso desta vez, ressalva. "Eles escolheram alguém que funciona. Como não está se vendendo nada nessa campanha, só levando informação, gostar ou não fica um pouco de lado. Nesse caso, o barulho é positivo, porque traz um assunto sério à tona."


Colaboraram Lulie Macedo e Roberto de Oliveira

LEIA a reportagem completa da Revista no site www.uol.com.br/revista


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