São Paulo, sexta-feira, 16 de março de 2007

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BARBARA GANCIA

Cultura de bacilos

Se usamos verbas públicas para ensinar hip-hop, rap e funk, por que não incluir na lista axé ou dança da garrafa?

N ESTA SEMANA , na esteira da visita do ministro da Cultura, Gilberto Gil, a Austin, no Texas, onde foi falar sobre cultura digital e tópicos correlatos, o correspondente do jornal "The New York Times", Larry Rohter (ele, sempre ele), produziu uma reportagem intitulada "Governo brasileiro investe em cultura hip-hop".
Nela, Rohter conta ao seu leitor norte-americano que, no Brasil, o governo está empregando o dinheiro do contribuinte para disseminar a "cultura hip-hop" entre jovens da periferia. Diz ele que, por ter sido boicotado muitas vezes no início da carreira, Gil "sente certa afinidade" por esses movimentos musicais, e que, por isso, concebeu o programa Pontos de Cultura do Brasil, que distribui doações de cerca de US$ 60 mil a grupos comunitários das periferias, a fim de desenvolver "novas formas de expressão da latente criatividade dos pobres do país".
Em um país em que o presidente da República acha espirituoso falar em "ponto G" em coletiva de imprensa, distribuir dinheiro público para ensinar a jovens carentes as técnicas do grafite ou a aspirantes a rapper como operar pick-ups, pode até parecer coisa natural. Mas eu pergunto: a que ponto chegamos? Desde quando hip-hop, rap e funk são cultura? Se essas formas de expressão merecem ser divulgadas com o uso de dinheiro público, por que não incluir na lista o axé, a música sertaneja ou, quem sabe, até cursos para ensinar a dança da garrafa? O axé, ao menos, é criação nossa. Ao contrário do hip-hop, rap e funk, que nasceram nos guetos norte-americanos.
Na última quarta-feira, em meu comentário diário na rádio BandNews FM, tomei a liberdade de dizer o que pensava sobre esse lixo musical que, entre outros atributos, é sexista, faz apologia à violência e dói no ouvido. Para quê? Imediatamente a caixa postal eletrônica da rádio foi inundada por protestos tachando-me de racista e fascista.
Sei, sei. Quer dizer que se eu afirmar que a música sertaneja é uma porcaria alienante, tudo bem. Mas se disser que usar boné de beisebol ao contrário na cabeça, calça abaixada na cintura com a cueca aparecendo e tênis de skatista é coisa de colonizado que nem mesmo sabe direito o que o termo hip-hop (um e-mail se referia à musica "rip-rop") significa, sou racista e fascista?
No texto de Larry Rohter, o antropólogo Hermano Vianna afirma que Gilberto Gil olha para o hip-hop, o funk e o rap "não com preconceito, mas como se fossem oportunidades de negócios". Não entendo muito de comércio, mas será que produzir uma legião de grafiteiros e de DJs é "oportunidade de negócio"?
Por anos, fiz com o mestre Silvio Luiz um programa de esportes chamado "Dois na Bola". Uma vez por semana, nós apresentávamos um grupo musical. Cansamos de receber artistas do hip-hop que hoje estão aí com música na trilha sonora da novela. E vira e mexe, depois de eles terem passado pelo programa, descobríamos, para nosso espanto, que os tais gênios musicais eram ligados ao tráfico de drogas.
Alô, ministro Gil! Não seria mais produtivo ministrar nas favelas um curso de um único livro de Machado de Assis ou Guimarães Rosa, do que dar força para a molecada virar uma paródia de Snoop Doggy Dogg?

barbara@uol.com.br


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