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BARBARA GANCIA
Cultura de bacilos
Se usamos verbas públicas para ensinar hip-hop, rap e funk, por que não incluir na lista axé ou dança da garrafa?
N
ESTA SEMANA , na esteira da
visita do ministro da Cultura, Gilberto Gil, a Austin, no
Texas, onde foi falar sobre cultura
digital e tópicos correlatos, o correspondente do jornal "The New York
Times", Larry Rohter (ele, sempre
ele), produziu uma reportagem intitulada "Governo brasileiro investe
em cultura hip-hop".
Nela, Rohter conta ao seu leitor
norte-americano que, no Brasil, o
governo está empregando o dinheiro do contribuinte para disseminar a
"cultura hip-hop" entre jovens da
periferia. Diz ele que, por ter sido
boicotado muitas vezes no início da
carreira, Gil "sente certa afinidade"
por esses movimentos musicais, e
que, por isso, concebeu o programa
Pontos de Cultura do Brasil, que distribui doações de cerca de US$ 60
mil a grupos comunitários das periferias, a fim de desenvolver "novas
formas de expressão da latente criatividade dos pobres do país".
Em um país em que o presidente
da República acha espirituoso falar
em "ponto G" em coletiva de imprensa, distribuir dinheiro público
para ensinar a jovens carentes as
técnicas do grafite ou a aspirantes a
rapper como operar pick-ups, pode
até parecer coisa natural. Mas eu
pergunto: a que ponto chegamos?
Desde quando hip-hop, rap e funk
são cultura? Se essas formas de expressão merecem ser divulgadas
com o uso de dinheiro público, por
que não incluir na lista o axé, a música sertaneja ou, quem sabe, até cursos para ensinar a dança da garrafa?
O axé, ao menos, é criação nossa. Ao
contrário do hip-hop, rap e funk, que
nasceram nos guetos norte-americanos.
Na última quarta-feira, em meu
comentário diário na rádio BandNews FM, tomei a liberdade de dizer
o que pensava sobre esse lixo musical que, entre outros atributos, é sexista, faz apologia à violência e dói
no ouvido. Para quê? Imediatamente a caixa postal eletrônica da rádio
foi inundada por protestos tachando-me de racista e fascista.
Sei, sei. Quer dizer que se eu afirmar que a música sertaneja é uma
porcaria alienante, tudo bem. Mas
se disser que usar boné de beisebol
ao contrário na cabeça, calça abaixada na cintura com a cueca aparecendo e tênis de skatista é coisa de colonizado que nem mesmo sabe direito
o que o termo hip-hop (um e-mail se
referia à musica "rip-rop") significa,
sou racista e fascista?
No texto de Larry Rohter, o antropólogo Hermano Vianna afirma que
Gilberto Gil olha para o hip-hop, o
funk e o rap "não com preconceito,
mas como se fossem oportunidades
de negócios". Não entendo muito de
comércio, mas será que produzir
uma legião de grafiteiros e de DJs é
"oportunidade de negócio"?
Por anos, fiz com o mestre Silvio
Luiz um programa de esportes chamado "Dois na Bola". Uma vez por
semana, nós apresentávamos um
grupo musical. Cansamos de receber artistas do hip-hop que hoje estão aí com música na trilha sonora
da novela. E vira e mexe, depois de
eles terem passado pelo programa,
descobríamos, para nosso espanto,
que os tais gênios musicais eram ligados ao tráfico de drogas.
Alô, ministro Gil! Não seria mais
produtivo ministrar nas favelas um
curso de um único livro de Machado
de Assis ou Guimarães Rosa, do que
dar força para a molecada virar uma
paródia de Snoop Doggy Dogg?
barbara@uol.com.br
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