São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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ENTREVISTA

Seminário no Acre debate impacto das drogas no sistema de saúde

DA REPORTAGEM LOCAL

O Estado do Acre faz divisa com a região que mais produz coca no mundo -a selva amazônica da Colômbia, Peru e Bolívia. Partindo da capital, Rio Branco, em duas horas de carro chega-se à Bolívia por duas estradas. Em três horas, uma terceira leva ao Peru.
O rio Purus, que vem do Peru e vai desembocar no Solimões, é outro caminho para a droga. Ao longo dessas estradas e rio, várias cidades sofrem com a passagem de traficantes e o trânsito de prostitutas e caminhoneiros. No rastro dessas populações, transitam doenças como hepatites B e C, tuberculose e o vírus HIV.
Populações indígenas, presentes em todos os Estados do Norte, são ameaçadas pelo alcoolismo e pela Aids. O Acre tem uma prevalência da doença que corresponde à metade da média nacional -2,5 casos notificados por 100 mil habitantes, segundo boletim da Coordenação Nacional de Aids que ainda será divulgado. Mas um único caso pode dizimar uma tribo inteira, já que suas práticas sexuais dificultam o trabalho de prevenção, dizem técnicos do Ministério da Saúde. A tendência, no Norte, é de crescimento dos casos.
"O álcool é um problema gravíssimo entre os índios", diz a psicóloga Helena Lima, que trabalha com redução de danos em regiões de fronteira. Por conta de tantos desafios, o Estado do Acre realizou semana passada, em Rio Branco, o seminário Construção da Política Estadual sobre Drogas.
O encontro reuniu representantes de várias instâncias nacionais e internacionais que lidam com drogas e saúde, associações de redução de danos, representantes do Ministério da Saúde, das Nações Unidas e de vários países sul-americanos. "Apesar da situação vulnerável em que nos encontramos, a gestão do governo Jorge Viana (PT) tem tido sucesso tanto na repressão como na prevenção das drogas", diz Cassiano Marques, 33, secretário da Saúde. "O desafio, agora, é uma rede para tratamento de dependentes", diz.
Abaixo, trechos da entrevista que o secretário deu por telefone:
(AURELIANO BIANCARELLI)

 

Folha - O que mais está preocupando as pessoas que trabalham com drogas no Estado?
Cassiano Marques
- Antes era a merla ou mescla, uma substância anterior à cocaína em pó. Essa pasta, que custa bem menos, é fumada misturada com cigarro ou maconha. Agora, a preocupação é com o "oxidado", um substrato da merla, que custa mais barato ainda e que é preparado misturando-se com cal, querosene e gasolina. Essa droga é fumada, como a merla, mas, além de provocar danos rápidos à saúde, vicia mais rapidamente que o crack.

Folha - E a prostituição?
Marques
- Apesar dos melhores cuidados em saúde no Brasil, o trânsito se dá em direção principalmente à Bolívia. Lá, elas são mais toleradas e chegam a ser cadastradas. Do ponto de vista institucional, a Bolívia avançou mais nessa questão. Mas a proximidade com a fronteira facilita a entrada e o uso de silicone industrial, pelos travestis; e o emprego de anabolizantes, que causam danos sérios à saúde e que também chegam pelas fronteiras.

Folha - E na questão do tratamento de pacientes, como os países vizinhos se entendem?
Marques
- É uma questão que estamos discutindo com os departamentos da Bolívia e do Peru. Eles não oferecem tratamento de alta complexidade e doentes de câncer e urgências são trazidos para cá. Também não oferecem o coquetel, e nós não estamos negando [esse serviço a eles]. A prevenção é outro problema, pois aqui os grupos de risco recebem kits com preservativos e informações, o que não acontece do outro lado das nossas fronteiras.

Folha - Há também usuários de drogas injetáveis na região?
Marques
- Também há. Nossa estratégia está sendo a redução de danos, com troca de seringas e informações, trabalho exemplar que a Reard (Rede Acreana de Redução de Danos) vem realizando. Outra prioridade está sendo o atendimento de dependentes de álcool e drogas em hospital geral. Nossa intenção é aumentar o número de centros que possam desenvolver um atendimento multidisciplinar, com psicólogos, assistentes sociais e e terapeutas ocupacionais.


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