|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Antes, a gente só
sabia de situação
assim pela TV"
PAULO SAMPAIO
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
"Está inaugurado o terror nos
Jardins. É a primeira vez que eu
vejo esse pânico num bairro de
elite de São Paulo. Antes, a gente
só sabia de situações assim no Rio
de Janeiro, e pela TV", diz a psicóloga Sheila Souza, 47, duas filhas,
moradora da região.
São 15h30 de segunda e Sheila é
a única pedestre na calçada da rua
Oscar Freire, entre a Consolação e
a Bela Cintra, trecho famoso pelo
comércio mais sofisticado do
país; a via está vazia, com as lojas
fechadas, a atmosfera é de feriado.
A Folha circulou na tarde de ontem por três regiões ricas da cidade para saber como seus moradores, freqüentadores e trabalhadores reagiam às notícias (e aos boatos) de bombas e rajadas disparadas contra estabelecimentos comerciais e escolas.
"Todo mundo na minha classe
começou a chorar", conta a menina Milena, 6, cujo pai, o vendedor
Hélio Crepaldi, 50, largou tudo no
trabalho para buscá-la na escola
municipal Monteiro Lobato, em
Higienópolis.
"Fiquei apavorado quando soube de um tiroteio na esquina da
[rua] Piauí com a Bahia", diz o
vendedor, que, para pegar a filha,
teve de pular o muro da escola.
"Ela não vem mais, até essa guerra
acabar", resolve Crepaldi, abraçando a filha ainda trêmulo.
A poucos metros dali, uma moradora idosa, que prefere não ser
identificada, tenta pegar um táxi.
"Saí para caminhar e agora não
tenho coragem de voltar pra casa.
A confusão chegou aqui."
"Hoje os taxistas farão a festa",
estima a vendedora Rita Freitas,
29, que espera condução na alameda Gabriel Monteiro da Silva,
conhecido corredor de lojas de
decoração. O comércio de luxo ali
encerrou o expediente por volta
das 16h, quando o habitual é às
18h (segundo se informa no local). Tudo por causa do medo.
A Daslu, luxuosa multimarcas,
dispensou os empregados por
volta das 16h.O shopping Iguatemi, o mais elitizado da cidade, terminou o dia às 21h.
"Eles fecham as lojas porque
querem. Pergunta se conhecem
alguém que foi atingido por uma
bomba. Não sabem nem se explodiram todas as que ouviram dizer", afirma o sargento Paiva, que
atua na região dos Jardins.
"Nossa função é prender bandido, mas é tanta corrupção, no
Congresso e na cadeia, que a gente não sabe mais quem é quem.
Medo eu também tenho, mas alguém tem de combater o crime",
afirma o sargento.
À míngua
De acordo com os vendedores e
gerentes das lojas, o movimento
caiu muito a partir do meio-dia.
"No sábado, mais de 400 pessoas entraram na loja; pelo menos
160 compraram alguma coisa.
Hoje, no máximo dez entraram
até agora (por volta das 15h)",
afirma Carmita Ornelas, 45, gerente da Adidas nos Jardins.
Na mesma calçada, três jornalistas de moda cariocas diziam estranhar a reação de pânico dos
paulistanos.
"Gente, as pessoas estão apavoradas. Não sei se é porque a gente
se acostumou com esse tipo de situação, mas eu não vi nada até
agora que justificasse a correria",
diz Thaís Amormino, 28; óculos
escuros grandes, redondos, ela caminha alegremente com sacolas
de compras e os amigos João Felipe Toledo, 25, e Fred Tauil, 22.
À entrada do restaurante Rubayat, na rua Haddock Lobo, onde o
ambiente tranqüilo parece imune
ao "terror", garrafas de champanhe Veuve Clicquot e Möet et
Chandon repousam no gelo.
"Viemos às compras em São Paulo e encontramos tudo fechado",
afirma o advogado Marcos Mamede, 29, de Brasília, que come
com a mulher.
Os empresários franceses Marc
Oliveira, 43, e Jean Paul Rossi, 60,
que há três dias estão em São Paulo, caminham calmamente pelos
Jardins. Será que eles não sabem
dos acontecimentos? "Sim, sabemos. Só não entendemos como é
que um país desse tamanho, cheio
de petróleo, rico, perde a partida
para o crime. Olha o medo em
volta: o PCC ganhou."
Texto Anterior: Opinião - Mário Bortolotto: Não vou morrer na minha quitinete Próximo Texto: Rush Índice
|