São Paulo, domingo, 16 de julho de 2006

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GUERRA URBANA

Para especialistas, Justiça e Estado erram

Para estudiosos do sistema penitenciário, falta de assistência, violência e superpopulação motivaram união dos presos

Presidente de Associação do Ministério Público discorda e vê no "afrouxamento" das autoridades o embrião da crise de segurança em SP

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

A Justiça condena em excesso, o Estado não oferece à superpopulação de presos as condições mínimas, e está criada a base para o crescimento de uma facção como o PCC.
É o diagnóstico da explosão da violência em São Paulo feito por especialistas ouvidos pela Folha. Para José Carlos Dias, ex-ministro e ex-secretário estadual da Justiça, há a "ideologia da lei e da ordem" que sustenta o tratamento violento dos presos e estimula uma reação.
"A situação piorou muito quando o governo [estadual] resolveu usar os mesmos meios dos presos: violência, retaliação, vingança. O que acontece em Araraquara [presos amontoados no pátio] está às raias do genocídio. Nem nos campos de concentração nazistas as pessoas ficavam ao relento", diz ele, para quem o Judiciário erra ao mandar às penitenciárias pequenos infratores, que acabam subjugados pelos grandes.
O psicólogo Alvino Augusto de Sá, que trabalhou 33 anos no sistema carcerário, diz ter ouvido de líderes de presos que a violência é a forma que conhecem de protestar contra a falta de segurança e de assistência jurídica e médica. "Há 15, 20 anos, a situação era ainda mais beligerante, com espancamentos e nenhuma assistência. Em especial depois da rebelião do Carandiru [111 detentos mortos em 1992], os presos começaram a se organizar para se proteger. A facção oferece segurança, transporte, cesta básica, penetrando nos espaços vazios deixados pelo Estado."
Ele cobra mais investimento na formação e na valorização do agente penitenciário e o fim da ideologia repressiva dos poderes públicos. "Não tem Cristo para discutir solução que não seja através de punição."
A socióloga Julita Lemgruber, que dirigiu o sistema penitenciário do Rio de 1991 a 1994, lembra que só neste ano São Paulo ganhou uma Defensoria Pública, algo que existe há duas décadas para os presos fluminenses, que também têm sete hospitais penitenciários ligados ao SUS. São Paulo, um.
Para ela, é "absurdamente vertiginoso" o quanto cresceu o número de presos no país. De 1995 a 2005, a massa carcerária subiu de 148,7 mil para 361,4 mil, mais de 40% em São Paulo.
"Além do crescimento populacional assustador, não houve investimento nas assistências médica e jurídica, na ocupação da mão-de-obra do preso e em programas educacionais. Você envolve tudo isso com altos níveis de violência e corrupção e é a receita mais adequada pra dar espaço pra esses grupos."
Para ela, as responsabilidades têm de ser divididas. O governo federal não põe em prática o Plano de Segurança Pública nem luta pela aplicação da Lei de Execuções Penais -que diz, por exemplo, que o preso deve trabalhar. A política de segurança do Estado causa inchaço nas celas. E o Judiciário paulista é muito conservador, encarcera demais e dá livramento condicional de menos. "No funil do sistema prisional paulista há uma abertura enorme e uma saída muito reduzida."
Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, do Rio, diz que a "lógica encarceradora" da Justiça e a postura de enfrentamento do Estado não estão dando resultado. "Estamos aprendendo que esse negócio de levantar voz, ver quem fala mais grosso, não resolve. Pode ser bonito para algumas pessoas, mas se está jogando para uma platéia de péssima qualidade. Só contribui para elevar a tensão."
Não é o que pensa João Antonio Garreta Prats, procurador e presidente da Associação Paulista do Ministério Público. "Ao contrário, não há excesso de condenação. As penas no Brasil são menores que em outros países, os autores de pequenos crimes não vão para a cadeia."
Prats vê no "afrouxamento das relações com os presos" o embrião do monstro que virou o PCC. "Houve concessão de regalias como liberação absoluta de visitas íntimas e transferência de presos para presídios que lhes interessavam. Nesse tipo de negociação, quando não há mais o que ceder, acontece o que estamos vendo."
O procurador defende o endurecimento dentro da lei, pois continuar negociando aumentaria o poder do PCC.


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