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GUERRA URBANA
Para especialistas, Justiça e Estado erram
Para estudiosos do sistema penitenciário, falta de assistência, violência e superpopulação motivaram união dos presos
Presidente de Associação do Ministério Público discorda e vê no "afrouxamento" das autoridades o embrião da crise de segurança em SP
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
A Justiça condena em excesso, o Estado não oferece à superpopulação de presos as condições mínimas, e está criada a
base para o crescimento de
uma facção como o PCC.
É o diagnóstico da explosão
da violência em São Paulo feito
por especialistas ouvidos pela
Folha. Para José Carlos Dias,
ex-ministro e ex-secretário estadual da Justiça, há a "ideologia da lei e da ordem" que sustenta o tratamento violento dos
presos e estimula uma reação.
"A situação piorou muito
quando o governo [estadual]
resolveu usar os mesmos meios
dos presos: violência, retaliação, vingança. O que acontece
em Araraquara [presos amontoados no pátio] está às raias do
genocídio. Nem nos campos de
concentração nazistas as pessoas ficavam ao relento", diz
ele, para quem o Judiciário erra
ao mandar às penitenciárias
pequenos infratores, que acabam subjugados pelos grandes.
O psicólogo Alvino Augusto
de Sá, que trabalhou 33 anos no
sistema carcerário, diz ter ouvido de líderes de presos que a
violência é a forma que conhecem de protestar contra a falta
de segurança e de assistência
jurídica e médica. "Há 15, 20
anos, a situação era ainda mais
beligerante, com espancamentos e nenhuma assistência. Em
especial depois da rebelião do
Carandiru [111 detentos mortos
em 1992], os presos começaram a se organizar para se proteger. A facção oferece segurança, transporte, cesta básica, penetrando nos espaços vazios
deixados pelo Estado."
Ele cobra mais investimento
na formação e na valorização
do agente penitenciário e o fim
da ideologia repressiva dos poderes públicos. "Não tem Cristo para discutir solução que não
seja através de punição."
A socióloga Julita Lemgruber, que dirigiu o sistema penitenciário do Rio de 1991 a 1994,
lembra que só neste ano São
Paulo ganhou uma Defensoria
Pública, algo que existe há duas
décadas para os presos fluminenses, que também têm sete
hospitais penitenciários ligados ao SUS. São Paulo, um.
Para ela, é "absurdamente
vertiginoso" o quanto cresceu o
número de presos no país. De
1995 a 2005, a massa carcerária
subiu de 148,7 mil para 361,4
mil, mais de 40% em São Paulo.
"Além do crescimento populacional assustador, não houve
investimento nas assistências
médica e jurídica, na ocupação
da mão-de-obra do preso e em
programas educacionais. Você
envolve tudo isso com altos níveis de violência e corrupção e é
a receita mais adequada pra dar
espaço pra esses grupos."
Para ela, as responsabilidades têm de ser divididas. O governo federal não põe em prática o Plano de Segurança Pública nem luta pela aplicação da
Lei de Execuções Penais -que
diz, por exemplo, que o preso
deve trabalhar. A política de segurança do Estado causa inchaço nas celas. E o Judiciário paulista é muito conservador, encarcera demais e dá livramento
condicional de menos. "No funil do sistema prisional paulista há uma abertura enorme e
uma saída muito reduzida."
Silvia Ramos, do Centro de
Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido
Mendes, do Rio, diz que a "lógica encarceradora" da Justiça e
a postura de enfrentamento do
Estado não estão dando resultado. "Estamos aprendendo
que esse negócio de levantar
voz, ver quem fala mais grosso,
não resolve. Pode ser bonito
para algumas pessoas, mas se
está jogando para uma platéia
de péssima qualidade. Só contribui para elevar a tensão."
Não é o que pensa João Antonio Garreta Prats, procurador e
presidente da Associação Paulista do Ministério Público. "Ao
contrário, não há excesso de
condenação. As penas no Brasil
são menores que em outros
países, os autores de pequenos
crimes não vão para a cadeia."
Prats vê no "afrouxamento
das relações com os presos" o
embrião do monstro que virou
o PCC. "Houve concessão de
regalias como liberação absoluta de visitas íntimas e transferência de presos para presídios
que lhes interessavam. Nesse
tipo de negociação, quando não
há mais o que ceder, acontece o
que estamos vendo."
O procurador defende o endurecimento dentro da lei, pois
continuar negociando aumentaria o poder do PCC.
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