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OPINIÃO
Por um tribunal criminal permanente
FLÁVIA PIOVESAN
Ao longo do nazismo, 16 milhões
de pessoas foram encaminhadas a
campos de concentração, 11 milhões neles morreram, sendo 6 milhões deles judeus. Negava-se a
condição de sujeito de direito a toda e qualquer pessoa que não pertencesse à raça pura ariana.
A Segunda Guerra Mundial, ao
mesmo tempo em que simbolizou
as atrocidades do Holocausto, originou também a certeza de que a
proteção dos direitos humanos
não poderia se restringir à jurisdição doméstica de um Estado, mas
deveria constituir tema de legítimo interesse da comunidade internacional.
No esforço da reconstrução do
valor dos direitos humanos, o
pós-guerra propiciou a criação das
Nações Unidas em 1945.
Em 1945-46, foi instituído o Tribunal de Nuremberg, com a competência de julgar os crimes cometidos durante a Segunda Guerra
Mundial.
Em 1948 foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa 50 anos no próximo dia 10 de dezembro.
Também em 1948 foi adotada a
Convenção para a Prevenção e a
Repressão do Crime de Genocídio,
que reafirmou ser o genocídio um
crime contra o direito internacional, dispondo que as pessoas acusadas de genocídio serão julgadas
pelos tribunais do Estado ou por
uma corte penal internacional.
Desde 1948, discute-se a criação de
um tribunal internacional criminal permanente.
Passados 50 anos, surge a grande
oportunidade histórica de criação
deste tribunal, o que significará
um decisivo avanço para a proteção dos direitos humanos, assegurando o fim da impunidade quando, na ocorrência de crimes contra
a humanidade, as instituições nacionais mostram-se falhas ou
omissas na realização da justiça.
De 15 de junho até amanhã, em
Roma, na Conferência da ONU
sobre a criação da Corte Internacional Criminal Permanente, mais
de 120 Estados debatem a matéria,
buscando consenso sobre a estrutura, competência e procedimentos básicos deste tribunal.
Dentre as questões centrais, destacam-se: a) a definição de crimes
de guerra; b) a legitimidade para
encaminhar um caso à apreciação
do tribunal; c) os poderes de investigação da promotoria; d) a relação do tribunal com o Conselho
de Segurança.
Às discussões jurídicas conjugam-se ainda os interesses políticos, particularmente de alguns
membros permanentes do Conselho de Segurança (notadamente os
EUA e a França), que intentam
manter o poder de veto em relação
às atividades do futuro tribunal,
negando a independência que o
tribunal merece ter para investigar, processar e punir crimes contra a humanidade, onde quer que
eles ocorram.
Espera-se que o estatuto deste
tribunal amplie o conceito tradicional de crimes de guerra, introduzindo o estupro e outras violências sexuais perpetradas durante a
guerra como forma de tortura.
Espera-se também que o estatuto assegure o acesso a este tribunal
às vítimas e a entidades da sociedade civil e que consolide internacionalmente as garantias processuais necessárias a um julgamento
justo, com a observância da independência da promotoria e dos
princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
É essencial ainda que a jurisdição
do tribunal não se sujeite ao controle do Conselho de Segurança.
Acima de tantas controvérsias
jurídicas, negociações e disputas
políticas, há que prevalecer a
consciência da responsabilidade
histórica da criação de um Tribunal Internacional Criminal Permanente.
Por detrás de tantos debates, há
que se lembrar que desde a Segunda Guerra Mundial mais de 250
conflitos eclodiram, deixando
mais de 170 milhões de vítimas,
que sofreram as mais cruéis violações de direitos humanos e que
guardam a esperança de que a justiça um dia seja feita.
Flávia Piovesan, 29, procuradora do Estado e
doutora em direito constitucional, é coordenadora do grupo de trabalho de direitos humanos
da Procuradoria Geral do Estado (SP), professora
de direito constitucional e de direitos humanos
da PUC-SP e membro da Comissão de Justiça e
Paz
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