São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2006

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Sobrevivente diz que não temeu que corda arrebentasse

Em entrevista, pedreiro Sebastião Fabiano Nunes conta que preferiu ajudar os dois colegas e pular por último

No acidente, ocorrido anteontem em edifício da zona oeste, um dos operários morreu após cair de uma altura de 75 metros

THARSILA PRATES
DO "AGORA"

Mesmo em meio às chamas e após ter visto um colega cair de um andaime a 75 metros de altura, o pedreiro Sebastião Fabiano Nunes, 48, diz ter preferido ajudar os outros dois colegas a pular por último. Eles estavam amarrados por cordas e ficaram pendurados.
Nunes foi um dos três sobreviventes do incêndio em dois andaimes de um prédio residencial da Vila Sônia (zona oeste de SP), anteontem. O operário José Roberto Santos, 36, morreu. Dois operários tiveram queimaduras de 2º e 3º graus e até ontem continuavam internados em estado grave.
Ele é o único sobrevivente em condições de narrar a tragédia. Quando ficou amarrado à corda após pular do andaime, suas mãos já estavam queimadas. Ontem, ele contou que teve de segurar a corda que o sustentou a cerca de 75 metros do chão com apenas dois dedos de cada mão. Os demais estavam em carne viva. Nunes foi socorrido pelos bombeiros que o puxaram até a cobertura do prédio. Com queimaduras de 2º grau, ele recebeu alta ontem.

 

PERGUNTA - O que aconteceu?
SEBASTIÃO FABIANO NUNES
- A gente estava no 23º andar, fazendo a recuperação da fachada do prédio. O serviço começou às 8h e às 10h, mais ou menos, pegou fogo no outro balanço [andaime], não sei por que motivo. Então o fogo passou para o [andaime em] que eu estava.

PERGUNTA - O que você fez?
NUNES
- Consegui remover os produtos inflamáveis que estavam com a gente, com os balanços ainda em chamas. Orientei os outros, que eram mais novos, a pular. O que estava no meu balanço [Gildete Fagundes] pulou com a corda e conseguiu ir até o 7º andar, depois caiu. O outro, que tinha passado para o meu andaime, ficou pendurado. Depois, pulei com a corda para me salvar. Quis primeiro orientar os dois, pois são mais novos e não têm tanta experiência. Pular com a corda era o mais certo. Melhor morrer na queda do que queimado.

PERGUNTA - O que poderia ter causado o incêndio, na sua opinião?
NUNES
- Eu não sei.

PERGUNTA - Alguém fumava na hora do acidente?
NUNES
- Eu não fumo. Não posso dizer o que os outros faziam.

PERGUNTA - Você viu José Roberto da Conceição cair?
NUNES
- Infelizmente, eu vi o meu colega caindo.

PERGUNTA - Ele comentou alguma coisa com o senhor? Tinha planos?
NUNES
- Antes de subir no balanço, ele falou: "Tive um sonho terrível. Sonhei que o balanço dava problema no 25º andar e a gente entrava em pânico". Falou isso pra mim umas duas vezes. Ele subiu para morrer.

PERGUNTA - Vocês tinham segurança enquanto trabalhavam?
NUNES
- A gente estava amarrado com a corda. Estava seguro.

PERGUNTA - Teve medo de cair?
NUNES
- Não fiquei com medo de a corda arrebentar, porque ela agüenta até mil quilos.

PERGUNTA - E agora? NUNES - Quando sarar, a vida continua, não pode parar.


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