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AMBIENTE
Origem do metal no mangue do rio Jequiá ainda é desconhecida; poluição pode comprometer ecossistema
Mercúrio contamina manguezal no Rio
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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Aves sobrevoam mangue; quantidade de mercúrio encontrada é superior à média aceitável, segundo pesquisa feita pela UFRJ |
SERGIO TORRES
ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO
O manguezal do Jequiá, na Ilha
do Governador (zona norte do
Rio), está contaminado por mercúrio, elemento químico que, se
consumido pelo ser humano, pode causar doenças neurológicas,
renais, lesões fetais e até a morte.
A contaminação foi descoberta
pelo Laboratório de Radioisótopos do Instituto de Biofísica da
UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), que desde 1998
faz pesquisas e coletas no local.
A presença do mercúrio na lama do manguezal ainda é um
mistério. Não há na região indústrias que poderiam estar despejando o metal no rio Jequiá, que
forma o mangue, o segundo em
tamanho da baía de Guanabara,
com 16 mil m2.
A pesquisa que resultou na descoberta está sendo conduzida pelo biólogo Fernando Neves Pinto.
Ele encontrou mercúrio em três
pontos distintos do mangue, em
coletas realizadas em 1998 e 1999.
Neves Pinto coletou sedimentos
do mangue em profundidades
que variam de 15 a 35 centímetros. O fato de ter encontrado
mercúrio em trechos mais superficiais dos sedimentos demonstra
que a contaminação é recente.
Proporção alta
A possibilidade de o mercúrio
ter chegado ao mangue por correntes marítimas não é considerada pelo pesquisador, que fez coletas em um ponto do rio em que
não há influência da maré.
A quantidade de mercúrio encontrada é de 2 ppm (parte por
milhão), o que representa 2 miligramas em 1 kg. A média mundial
da presença de mercúrio em sedimentos é de 0,4 ppm.
A proporção de mercúrio no
manguezal surpreendeu os profissionais do laboratório, que começam agora a procurar resíduo
do metal em caranguejos e peixes
que habitam a área.
"É muito para uma área em que
não há garimpo e que não tem atividade industrial que utilize mercúrio", afirmou Neves Pinto.
Os pesquisadores suspeitam
que ao longo curso do rio Jequiá
possa existir alguma atividade informal que use mercúrio.
Uma das hipóteses é uma fundição clandestina de ouro. O mercúrio é usado para separar o ouro
de outros elementos.
A presença do mercúrio no corpo humano costuma ser decorrente da ingestão de pescados. O
metal tem efeito cumulativo, pois
não é expelido pelo organismo.
A mais conhecida epidemia
causada por ingestão de mercúrio
ocorreu na década de 50 na baía
de Minimata, no Japão. Pelo menos 1.200 pessoas que consumiram peixes da baía, contaminada
por descargas industriais, desenvolveram doenças neurológicas
graves. Crianças nasceram com
lesões irreversíveis. A pesca na
baía ficou proibida por quase
quatro décadas.
Pesca no mangue
O Jequiá recebe o esgoto de cerca de 90 mil pessoas por dia. Ele
atravessa cinco favelas (Dendê,
Serra Morena, Nossa Senhora das
Graças, Guarabu e Boogie Woogie) da Ilha do Governador até
formar o manguezal. Em torno do
mangue vivem 4.000 pessoas.
Apesar da poluição, o mangue é
ponto de pesca principalmente de
caranguejos e tainhas.
Estudo de 1991, coordenado pelo diretor do Departamento de
Engenharia Sanitária da Uerj
(Universidade do Estado do Rio
de Janeiro), Breno Marcondes, já
apontava uma alta concentração
de metais pesados na região.
Marcondes concluiu ser necessário um monitoramento constante das atividades industriais
em torno do mangue para evitar o
comprometimento do ecossistema, o que não foi feito.
Segundo a pesquisa, 49 das 67
espécies de aves que vivem na
baía frequentam o manguezal,
único lugar onde foram encontrados os maçaricos migratórios,
pássaros que viajam do Canadá
para o Brasil nos meses da primavera e do verão no hemisfério Sul.
Uma das unidades com instalações de laboratório próximas ao
manguezal é o Instituto de Pesquisas da Marinha, um dos centros mais importantes de pesquisa militar no país.
O instituto, durante o regime
militar (1964-1985), fez os primeiros estudos para a construção de
um reator nuclear a ser utilizado
por submarinos brasileiros.
No estudo promovido pela
Uerj, foi desaprovada a dragagem
como solução para os problemas
de poluição da região, pois poderia comprometer definitivamente
o ecossistema do manguezal.
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