São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 2000

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AMBIENTE
Origem do metal no mangue do rio Jequiá ainda é desconhecida; poluição pode comprometer ecossistema
Mercúrio contamina manguezal no Rio

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Aves sobrevoam mangue; quantidade de mercúrio encontrada é superior à média aceitável, segundo pesquisa feita pela UFRJ


SERGIO TORRES
ANTONIO CARLOS DE FARIA

DA SUCURSAL DO RIO

O manguezal do Jequiá, na Ilha do Governador (zona norte do Rio), está contaminado por mercúrio, elemento químico que, se consumido pelo ser humano, pode causar doenças neurológicas, renais, lesões fetais e até a morte.
A contaminação foi descoberta pelo Laboratório de Radioisótopos do Instituto de Biofísica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que desde 1998 faz pesquisas e coletas no local.
A presença do mercúrio na lama do manguezal ainda é um mistério. Não há na região indústrias que poderiam estar despejando o metal no rio Jequiá, que forma o mangue, o segundo em tamanho da baía de Guanabara, com 16 mil m2.
A pesquisa que resultou na descoberta está sendo conduzida pelo biólogo Fernando Neves Pinto. Ele encontrou mercúrio em três pontos distintos do mangue, em coletas realizadas em 1998 e 1999.
Neves Pinto coletou sedimentos do mangue em profundidades que variam de 15 a 35 centímetros. O fato de ter encontrado mercúrio em trechos mais superficiais dos sedimentos demonstra que a contaminação é recente.

Proporção alta
A possibilidade de o mercúrio ter chegado ao mangue por correntes marítimas não é considerada pelo pesquisador, que fez coletas em um ponto do rio em que não há influência da maré.
A quantidade de mercúrio encontrada é de 2 ppm (parte por milhão), o que representa 2 miligramas em 1 kg. A média mundial da presença de mercúrio em sedimentos é de 0,4 ppm.
A proporção de mercúrio no manguezal surpreendeu os profissionais do laboratório, que começam agora a procurar resíduo do metal em caranguejos e peixes que habitam a área.
"É muito para uma área em que não há garimpo e que não tem atividade industrial que utilize mercúrio", afirmou Neves Pinto.
Os pesquisadores suspeitam que ao longo curso do rio Jequiá possa existir alguma atividade informal que use mercúrio.
Uma das hipóteses é uma fundição clandestina de ouro. O mercúrio é usado para separar o ouro de outros elementos.
A presença do mercúrio no corpo humano costuma ser decorrente da ingestão de pescados. O metal tem efeito cumulativo, pois não é expelido pelo organismo.
A mais conhecida epidemia causada por ingestão de mercúrio ocorreu na década de 50 na baía de Minimata, no Japão. Pelo menos 1.200 pessoas que consumiram peixes da baía, contaminada por descargas industriais, desenvolveram doenças neurológicas graves. Crianças nasceram com lesões irreversíveis. A pesca na baía ficou proibida por quase quatro décadas.

Pesca no mangue
O Jequiá recebe o esgoto de cerca de 90 mil pessoas por dia. Ele atravessa cinco favelas (Dendê, Serra Morena, Nossa Senhora das Graças, Guarabu e Boogie Woogie) da Ilha do Governador até formar o manguezal. Em torno do mangue vivem 4.000 pessoas.
Apesar da poluição, o mangue é ponto de pesca principalmente de caranguejos e tainhas.
Estudo de 1991, coordenado pelo diretor do Departamento de Engenharia Sanitária da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Breno Marcondes, já apontava uma alta concentração de metais pesados na região.
Marcondes concluiu ser necessário um monitoramento constante das atividades industriais em torno do mangue para evitar o comprometimento do ecossistema, o que não foi feito.
Segundo a pesquisa, 49 das 67 espécies de aves que vivem na baía frequentam o manguezal, único lugar onde foram encontrados os maçaricos migratórios, pássaros que viajam do Canadá para o Brasil nos meses da primavera e do verão no hemisfério Sul.
Uma das unidades com instalações de laboratório próximas ao manguezal é o Instituto de Pesquisas da Marinha, um dos centros mais importantes de pesquisa militar no país.
O instituto, durante o regime militar (1964-1985), fez os primeiros estudos para a construção de um reator nuclear a ser utilizado por submarinos brasileiros.
No estudo promovido pela Uerj, foi desaprovada a dragagem como solução para os problemas de poluição da região, pois poderia comprometer definitivamente o ecossistema do manguezal.


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