São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 2000

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Lei sobre drogas é apontada como antiquada

DA REPORTAGEM LOCAL

É natural que o debate caminhe sempre na frente da lei. No caso das drogas, e mais especialmente da maconha, no entanto, o descompasso entre um e outro vem se acelerando.
Enquanto uma nova política de drogas está empacada no Senado -depois de aprovada na Câmara-, o governo cria uma Secretaria Nacional Antidrogas, "parecendo satisfeito com a legislação do tempo da ditadura", diz o deputado Fernando Gabeira. A lei de entorpecentes é de 1973.
Na opinião dos debatedores, a legislação faz exatamente o contrário do que deveria fazer. "A lei só tem sentido se contribui para melhorar, não é para se vingar", diz Elisaldo Carlini. O professor é a favor da descriminalização da maconha, mas contra a legalização. Ao legalizá-la, segundo ele, o Estado estaria assumindo que a cánabis é benéfica e teria de se responsabilizar pela sua qualidade.
Maria Lúcia Karam, que já foi juíza, prefere não separar a maconha de outras drogas, e condena a criminalização de todas. "A opção criminalizadora serve para a ampliação do poder do Estado de punir", afirma.
"Sob o pretexto de se combater drogas classificadas de ilícitas, o Estado se torna cada vez mais dominante, mais vigilante, promovendo práticas medievais."
Foi com esse argumento -lembra Maria Lúcia- que em 1994 as "Forças Armadas intervieram no Rio de Janeiro, desviando-se de suas funções constitucionais". Segundo ela, essa militarização reaparece na criação da Secretaria Nacional Antidrogas, "um nome delirante, como se a droga fosse o inimigo".
Para Gabeira, o "conceito de guerra para os militares é importante, porque define campos".
"A guerra implica posições bem claras, bem definidas. E numa guerra, nós sabemos, a primeira vítima é a verdade."
O deputado lembra a relação que se fazia da maconha com os escravos e ex-escravos, e a relação que se fez depois da maconha com pobres, negros e marginais. Embora a cánabis ainda seja relacionada ao crime -mesmo não sendo verdade-, o discurso oficial passou a mostrá-la como uma "droga que roubava a motivação e poderia arruinar a carreira de inúmeros jovens promissores".
Para o deputado, a "discussão da política de drogas no Brasil tem a ver com a democracia". "A polícia invade as favelas e finca lá a bandeira para demonstrar seu controle sobre as populações mais pobres. Por que não invade a Vieira Souto, que é onde se consome cocaína?"
Maria Lúcia tem outro argumento para condenar a criminalização das drogas: o direito das pessoas a condutas que só dizem respeito a elas.
"A Constituição garante o direito a ações privadas e o uso de drogas é uma questão pessoal. O Estado não pode interferir."
Segundo ela, uma conduta só pode ser objeto de intervenção se tem a possibilidade de causar dano a terceiro. (AB)


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