São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 2000

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DEBATE
Lançamento do livro "A Maconha", do deputado federal Fernando Gabeira (PV), foi tema de discussão na Folha
Efeito da maconha ainda causa polêmica

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

São raras as discussões em torno da maconha que não se pautam por posições e argumentos ideológicos, contrários ou favoráveis, mas sempre apaixonados, quase irracionais. O debate realizado pela Folha e a Publifolha, na última segunda-feira, foi uma dessas raridades e abriu espaço para questões históricas, legais, médicas e culturais.
A mesa redonda foi organizada pelo lançamento do livro "A Maconha", escrito pelo deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). O tema em si já "espalha um rastro de discórdia", avisa o autor no livro. Mas tanto a publicação como o debate "deixaram espaço para diferentes opiniões".
"É um tema que não pode ser tratado com fanatismo", disse Elisaldo Carlini, professor de psicobiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e diretor do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas).
Além de Carlini e Gabeira, participaram o psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, coordenador do Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas), do Hospital das Clínicas, e Maria Lúcia Karam, professora do mestrado em criminologia da Universidade Cândido Mendes e membro da Associação Juízes para a Democracia.
O livro responde às principais questões que Gabeira reuniu em mais de 500 debates dos quais participou pelo país. As pessoas queriam saber se a maconha leva ao uso de outras drogas, se cria dependência, se provoca danos à memória e se tem fins medicinais.
Gaberia e Andrade divergem sobre a tese de que a maconha pode ser uma "escada" que leva a drogas mais pesadas.
O deputado se vale de vários autores para descartar a possibilidade de a maconha levar o consumidor para outras drogas. Ele cita o caso da Holanda, onde o uso da maconha é legalizado e a erva é vendida nos cafés.
"O consumo de outras drogas não cresceu, nem aumentou o uso da própria maconha."
O número de fumantes de maconha na Holanda é a metade do registrado na Inglaterra, onde em 1995 foram presas 588 mil pessoas por causa da erva.
Quanto aos danos da maconha à memória dos fumantes, Gabeira cita estudos que tentam provar que sim e que não. O leitor conclui que a cánabis causa uma perda de memória temporária e que deve ser evitada quando em funções que exigem atenção e noções espaciais, como dirigir.
O psiquiatra Andrade vê a cánabis com uma visão "mais médica", "com maior risco". Para ele, a maconha é sim "uma droga que leva ao uso de outras drogas" e que causa dependência.
"Não há a síndrome de abstinência clássica, mas há a síndrome amotivacional", afirmou.
"O nível de motivação e competitividade de quem fuma um ou dois baseados (cigarros de maconha) cai sensivelmente."
Outra crítica de Andrade é a medicalização do uso da maconha. "A família encontra um baseado e pronto, já procura o médico, o psicólogo, e sempre encontrará profissionais dispostos a ganhar com a maconha."
Segundo ele, talvez de 95% a 98% dos que fumam maconha não precisam de ajuda médica. "Mas aqueles que nos procuram chegam numa situação grave."
O uso da maconha como remédio também divide opiniões. Como diz Gabeira, há pesquisas mostrando que as substâncias presentes na maconha curam câncer e outras mostrando que provocam a doença. Mas já não há dúvidas sobre suas funções terapêuticas nos enjôos, especialmente os provocados pela quimioterapia. Enquanto o país importa dos EUA o Marinol, um medicamento contra náuseas à base de cánabis, laboratórios brasileiros estão proibidos de produzi-lo.
Como já era esperado, Gabeira não escapou do debate sem ter de responder se fuma ou não fuma maconha. Foi político.
"Conheço todos os tipos de haxixe, do Nepal, da Cachemira... Mas não é bom a um deputado que está trabalhando por mudanças na legislação dizer que fuma maconha. Prefiro dizer que, quando estou em Amsterdã, fumamos maconha nos cafés."


Livro: A Maconha Autor: Fernando Gabeira Editora: Publifolha Quanto: R$ 9,90 (82 págs.)


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