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SONHO AMERICANO
Grupos de candidatos a entrar ilegalmente nos EUA esperam passagens hospedados no centro de São Paulo
Quadrilhas mantêm esquemas em hotéis
DA AGÊNCIA FOLHA
Anunciada há 38 dias pelo governo mexicano, a revogação do
acordo com o Brasil sobre isenção
de vistos de turismo e de negócios, que começa a valer no dia 23,
provocou um movimento incomum em hotéis do centro de São
Paulo. São os candidatos a imigrantes ilegais hospedados pelas
quadrilhas especializadas.
Meio-dia e meia da última quarta-feira, dia 12. Em um hotel no
largo do Paissandu, centro de São
Paulo, o recepcionista informa a
dois hóspedes que alguém passou
para avisar que o dinheiro deles
havia sido transferido.
É a chave para a reportagem da
Folha identificar ali dois possíveis
candidatos a imigrantes ilegais, já
que em muitos casos as quadrilhas de agenciadores financiam as
despesas dos clientes -receberão
somente nos EUA.
Sob a condição de anonimato,
eles confirmam que estavam no
hotel havia dois dias esperando o
sinal verde dos agenciadores para
embarcar rumo ao México. O objetivo é a entrada ilegal nos EUA.
Pouco depois, outro rapaz junta-se a eles na entrada do hotel. Os
três dizem ter 20 anos e que são de
Ouro Preto do Oeste (RO), cidade
de 41 mil habitantes a 333 km de
Porto Velho. Dois são primos, e o
outro é amigo da família.
O acerto foi feito com um agenciador de Ouro Preto do Oeste.
"Tem mais gente querendo levar
do que ir", diz um dos rapazes.
Combinaram pagar US$ 10 mil
-metade na chegada aos EUA e
metade com dinheiro de trabalho.
No valor estão incluídos os R$
100 diários que cada um recebe
dos agenciadores para pagar hotéis e alimentação. Para a viagem,
dizem não ter dinheiro.
A expectativa dos três é conseguir emprego de carpinteiro nos
EUA -promessa de um cunhado
dos primos que vive na Flórida.
Em Rondônia, trabalhavam cuidando de gado em terras da família. Todos estudaram somente até
o ensino fundamental.
Eles dizem não saber ao certo
como será a entrada nos EUA. A
única certeza é que não será pelo
deserto, mas por um posto de
imigração na fronteira.
Afirmam que irão até a Cidade
do México e que, após passarem
pelo posto da imigração, alguém
estará esperando na saída para levá-los a um hotel.
Depois de instalados, passarão a
ser guiados por outra pessoa até a
fronteira. "Daqui [Brasil] até lá
[EUA] você passa na mão de
umas dez pessoas", diz um deles.
Sobre o medo das incertezas do
caminho, respondem com resignação. "Medo todo mundo tem,
mas fazer o quê?", afirma um.
"Onde está o homem mora o perigo", completa outro.
Quadrilhas são alvo
Segundo o delegado José Márcio Lemos, chefe da Delegacia de
Imigração da Polícia Federal, 30
pessoas que estavam em hotéis de
São Paulo foram levadas a depor
porque tinham perfil de candidatos a imigrantes ilegais: portavam
passaporte, mas não tinham passagens nem dinheiro suficiente
para viajar ao exterior.
Como emigrar ilegalmente não
é crime no Brasil, ninguém foi
preso. O alvo da PF são as quadrilhas de agenciadores de imigrantes -o aliciamento de trabalhadores para fim de emigração prevê prisão de um a três anos.
"Vínhamos monitorando esses
hotéis e entramos quando tinha
bastante gente", disse o delegado.
Segundo ele, os candidatos a imigrantes ficam esperando a liberação por parte dos agenciadores
-que trazem as passagens aéreas- para então embarcarem
para o México.
Esses grupos são de Minas Gerais, Goiás e Pará. Lemos afirmou
que o inquérito do caso foi aberto
na semana passada e que não
houve prisões até o momento.
Hotéis
Em um hotel na região da República, o gerente, sob a condição de
não ter o nome revelado, afirmou
ter hospedado um grupo de emigrantes "há três ou quatro meses". "Peço a documentação dos
hóspedes, mas o que eles fazem
não me interessa", disse.
Em outros dois hotéis, a reportagem não se identificou de imediato na recepção, perguntando
antes com quem poderia tratar
sobre "viagens para fora". A resposta foi que, se quisesse hospedar emigrantes, deveria pagar por
dia ou antecipadamente.
Em tese, a conduta dos donos
desses hotéis não configura crime, mas a PF investiga se eles
atuam em conjunto com as quadrilhas de agenciadores.
Número recorde
O aperto na política mexicana
de concessão de vistos e na fiscalização da PF é acompanhado por
um crescimento recorde do número de brasileiros detidos na
fronteira EUA-México.
Entre entre 1º de outubro de
2004 e o último 30 de setembro,
foram 31.070 brasileiros detidos,
contra 21.404 de 1999 a 2004.
Em agosto, 320 brasileiros detidos ao tentar entrar ilegalmente
nos EUA voltaram em vôos fretados pelo governo americano.
Em 2004, cerca de mil brasileiros presos nos EUA também chegaram em vôos fretados, após negociações entre o governo americano e congressistas brasileiros.
A Embaixada do México no
Brasil informou que há apenas
um caso confirmado de associação para o crime entre quadrilhas
de migração ilegal brasileiras e
funcionários do setor de imigração daquele país.
Segundo o conselheiro da embaixada Agustín Rodriguez, um
ex-funcionário da imigração foi
preso em março deste ano sob a
acusação de colaborar com quadrilhas de migração ilegal.
Rodriguez afirmou que "ninguém está livre de corrupção e
que a prisão do ex-funcionário foi
um dos motivos da volta da exigência de visto para a entrada de
brasileiros no México.
Na Embaixada do Brasil no México, a previsão é que, com a exigência do visto, brasileiros tentarão entrar no país pela Guatemala, que não exige visto. E, depois,
rumar para a fronteira EUA-México, onde tentariam a travessia.
O conselheiro da embaixada
Olyntho Vieira disse que o aumento do número de pedidos de
visto após o anúncio da medida,
chega a ser "brutal".
Segundo Vieira, o número era
quase nulo e vai chegar neste mês
a 110. A expectativa é que o México conceda 25 mil vistos a brasileiros por ano. Atualmente, os EUA
fornecem cerca de 6.000 vistos
por ano.
(THIAGO GUIMARÃES)
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