São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2005

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DANUZA LEÃO

Pensamentos

É bom saber que existem pessoas que perseguem seus objetivos e lutam pelo que querem, sem desanimar nem perder o fôlego. Mas tem uma hora em que é preciso relaxar, deixar que a vida corra mais frouxa e botar nas mãos do destino -ou de Deus- o rumo dos acontecimentos. Estou falando, especificamente, de José Dirceu.
É seu direito lutar para provar sua possível inocência, que faça tudo para não ser cassado. Mas começa a ser irritante essa sua obstinação em não perder seu mandato. O ex-ministro não tem o menor pudor em procurar pessoas com quem se relacionava nos tempos em que era poderoso para que abram as portas de suas casas e convoquem os famosos que o procuravam em seu gabinete para que haja um ambiente simpático em torno do seu nome e com isso criar -quem sabe?- um clima favorável, que evite sua cassação.
José Dirceu devia saber que na vida às vezes se ganha e às vezes se perde; e que o mundo é vasto e que existe vida fora da política, fora de Brasília, fora do PT. Burro ele não é, e se lhe acontecer o pior, muitos outros rumos ele poderá tomar, rumos novos, que talvez o façam mais feliz.
Com tudo que já viveu, José Dirceu não aprendeu que não se pode constranger os amigos -ou relações- a se solidarizar com ele publicamente, como tem feito. Solidariedade e apoio devem vir espontaneamente, e essa insistência em querer dobrar seus colegas, ir a todos os tribunais possíveis, para não perder seu mandato está ficando cansativa, e, quando ele entra na sala do cafezinho da Câmara, sua presença provoca um mal-estar.
Chega, José Dirceu; entregue os pontos e deixe que as coisas aconteçam naturalmente, porque ninguém agüenta mais tanta obstinação, tanta teimosia em não querer largar o osso. E, se for cassado, será apenas uma derrota, o que faz parte da vida.
A vida inteira eu ouvi falar as piores coisas de Paulo Maluf; como moro no Rio, nunca acompanhei de perto as negociatas do ex-prefeito, mas acredito que tudo que se fala sobre ele, há décadas, seja verdade. Além de ser antipático, prepotente e arrogante, os 169 milhões de dólares que ele -ao que tudo indica- tirou do nosso bolso e botou no dele, depositando em várias contas no exterior, dariam para fazer muita coisa neste país. E sou, é claro, a favor de que ele seja punido exemplarmente, como devem ser os criminosos.
Mas nessa semana todos os noticiários de televisão mostraram, em detalhes, a rotina de Paulo Maluf e seu filho. Os dois dividem, com mais um preso, uma pequena cela; têm direito a três horas de sol por dia, comem numa quentinha com talheres de plástico, têm direito a ver televisão três ou quatro horas por dia, num corredor, e para poderem tomar um rápido banho de chuveiro têm que entrar na fila, entre as 6h e as 8h da noite. Não estou dizendo que eles deveriam ser tratados de maneira privilegiada: estou falando do prazer que alguns estão tendo em divulgar o que estão passando.
O sistema carcerário no Brasil é desumano, todo mundo sabe; mas quando o cotidiano atual dos dois Maluf -que, sabe-se, viviam nababescamente- é divulgado com tal riqueza de detalhes, isso não tem nada a ver com a punição pelos crimes que eles cometeram: é para massacrar, para humilhar.
E não se deve humilhar nenhum homem, mesmo que ele seja Paulo Maluf.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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