São Paulo, sábado, 16 de novembro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

A herança não é mais aquela

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Se o homicídio de que foram vítimas Manfred e Marísia Von Richthofen, com a participação, informada pela polícia, de Suzane, filha do casal, viesse a ocorrer dentro de dois meses, a avaliação dos efeitos jurídicos sobre a herança seria diferente em alguns pontos. Ocorre que a lista dos que podem suceder foi mudada no novo Código Civil.
No Código de 1916, aplicável até 10 de janeiro próximo, são chamados os descendentes, os ascendentes, os cônjuges e os colaterais, nessa ordem. Na nova lei, entrarão os descendentes e os ascendentes, mas em concorrência com o cônjuge e, no fim, os colaterais. O grande beneficiado pela mudança será, a partir de 2003, o marido ou a esposa, quando um sobreviver ao outro. A concorrência tem limitações. O esposo sobrevivente não concorre com os filhos dos casados no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória. Se for possível provar que um dos Richthofen sobreviveu ao outro, ainda que por poucos minutos, a variável terá interesse teórico.
O matrimônio com separação obrigatória de bens é imposto pelo Código de 2002 ao maior de 60 anos, aos que dependerem de autorização judicial para o matrimônio, ao viúvo ou viúva que se casar antes de terminado o inventário do cônjuge e à viúva ou mulher cujo casamento foi declarado nulo ou anulado até dez meses depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal. Também se encontram nessa situação o divorciado cuja partilha de bens não tenha sido homologada e o tutor ou curador e seus descendentes e parentes próximos que se tenha casado com o tutelado ou curatelado.
Há outros elementos, semelhantes aos da lei atual, mas é fácil perceber o número de questões que poderão retardar, no inventário, a homologação da partilha, em qualquer caso em que alguém, afastado do direito sucessório, protele a solução, o que é fácil no nosso congestionado Judiciário.
O cônjuge sobrevivente tem dois direitos, modificados no novo Código. Um já é reconhecido: a habitação no imóvel único a inventariar, de residência da família. O outro depende de serem os filhos do morto também filhos do sobrevivente ou produto de outra união mantida pelo falecido, legítima ou ilegítima. O cônjuge terá direito, no mínimo, a uma quarta parte da herança se for ascendente dos herdeiros-filhos. Como regra geral, terá o mesmo direito que os filhos (quinhão igual ao deles). Se o sobrevivente concorrer com seus sogros, receberá, no mínimo, um terço da herança. Se o morto não deixar ascendente nem descendente, a herança irá inteira para o cônjuge sobrevivente. Na ordem da vocação hereditária, o primeiro exclui o segundo, o segundo exclui o terceiro e assim por diante. Enquanto a partilha não tiver sido formalizada, todos os co-herdeiros terão a propriedade da herança, situação na qual se acham os dois filhos do casal assassinado.
Como se vê, haveria variáveis a considerar se o caso Richthofen houvesse ocorrido depois de 10 de janeiro do ano que vem. Assim, caberão as mesmas soluções aplicadas desde 1917, até porque, em ambos os Códigos, o velho e o novo, a solução é a mesma: a filha, se comprovada a co-autoria do crime, poderá ser excluída da sucessão, mas não de modo automático. Dependerá de sentença em processo autônomo que, afirmando a indignidade de Suzane, lhe negue o direito à herança, a requerimento de seu irmão, único que, por ora, parece legitimado para o pedido (Código Civil de 1916, artigo 1.596).



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