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LETRAS JURÍDICAS
A herança não é mais aquela
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Se o homicídio de que foram
vítimas Manfred e Marísia
Von Richthofen, com a participação, informada pela polícia, de
Suzane, filha do casal, viesse a
ocorrer dentro de dois meses, a
avaliação dos efeitos jurídicos sobre a herança seria diferente em
alguns pontos. Ocorre que a lista
dos que podem suceder foi mudada no novo Código Civil.
No Código de 1916, aplicável
até 10 de janeiro próximo, são
chamados os descendentes, os ascendentes, os cônjuges e os colaterais, nessa ordem. Na nova lei,
entrarão os descendentes e os ascendentes, mas em concorrência
com o cônjuge e, no fim, os colaterais. O grande beneficiado pela
mudança será, a partir de 2003, o
marido ou a esposa, quando um
sobreviver ao outro. A concorrência tem limitações. O esposo sobrevivente não concorre com os
filhos dos casados no regime da
comunhão universal ou no da separação obrigatória. Se for possível provar que um dos Richthofen
sobreviveu ao outro, ainda que
por poucos minutos, a variável
terá interesse teórico.
O matrimônio com separação
obrigatória de bens é imposto pelo Código de 2002 ao maior de 60
anos, aos que dependerem de autorização judicial para o matrimônio, ao viúvo ou viúva que se
casar antes de terminado o inventário do cônjuge e à viúva ou
mulher cujo casamento foi declarado nulo ou anulado até dez
meses depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal. Também se encontram nessa situação o divorciado
cuja partilha de bens não tenha
sido homologada e o tutor ou curador e seus descendentes e parentes próximos que se tenha casado com o tutelado ou curatelado.
Há outros elementos, semelhantes aos da lei atual, mas é fácil perceber o número de questões
que poderão retardar, no inventário, a homologação da partilha, em qualquer caso em que alguém, afastado do direito sucessório, protele a solução, o que é
fácil no nosso congestionado Judiciário.
O cônjuge sobrevivente tem
dois direitos, modificados no novo Código. Um já é reconhecido:
a habitação no imóvel único a inventariar, de residência da família. O outro depende de serem os
filhos do morto também filhos do
sobrevivente ou produto de outra
união mantida pelo falecido, legítima ou ilegítima. O cônjuge terá direito, no mínimo, a uma
quarta parte da herança se for ascendente dos herdeiros-filhos.
Como regra geral, terá o mesmo
direito que os filhos (quinhão
igual ao deles). Se o sobrevivente
concorrer com seus sogros, receberá, no mínimo, um terço da herança. Se o morto não deixar ascendente nem descendente, a herança irá inteira para o cônjuge
sobrevivente. Na ordem da vocação hereditária, o primeiro exclui
o segundo, o segundo exclui o terceiro e assim por diante. Enquanto a partilha não tiver sido formalizada, todos os co-herdeiros
terão a propriedade da herança,
situação na qual se acham os dois
filhos do casal assassinado.
Como se vê, haveria variáveis a
considerar se o caso Richthofen
houvesse ocorrido depois de 10 de
janeiro do ano que vem. Assim,
caberão as mesmas soluções aplicadas desde 1917, até porque, em
ambos os Códigos, o velho e o novo, a solução é a mesma: a filha,
se comprovada a co-autoria do
crime, poderá ser excluída da sucessão, mas não de modo automático. Dependerá de sentença
em processo autônomo que, afirmando a indignidade de Suzane,
lhe negue o direito à herança, a
requerimento de seu irmão, único que, por ora, parece legitimado para o pedido (Código Civil de
1916, artigo 1.596).
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