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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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DANUZA LEÃO

Será?

Dois adolescentes mortos; foi um crime brutal, os assassinos confessaram, parece não haver nenhuma dúvida quanto à autoria.
O país está chocado, todos os pais e mães de jovens sofreram pensando que a tragédia poderia ter acontecido em suas famílias, e durante muito tempo esses pais e mães vão ficar apavorados a cada vez que um filho ou uma filha saírem de casa a qualquer hora do dia, mesmo que seja para ir à escola ou ao cinema.
O tempo vai passar, ninguém pode acorrentar os filhos em casa, a vida vai continuar, e o medo também, e durante muito tempo -aquele medo que se segura em silêncio, para não atrair as coisas ruins.
A imprensa tem o dever de informar, e a humanidade, de um modo geral, gosta de saber das coisas mais hediondas -e quanto mais detalhes, melhor; mas às vezes os fatos são brutais demais.
Para que o processo siga, será necessário saber de quem foi a idéia, como os crimes foram cometidos, de quem era a arma. Mas fico pensando nos pais de Liana e Felipe; será que eles lêem os jornais? A partir daí, uma série de perguntas vem à minha cabeça, perguntas para as quais não consigo encontrar respostas.
Será que eles estão acompanhando as investigações? Será que precisam mesmo saber de toda a verdade, de como as coisas se passaram? Será que precisam da ajuda da imprensa para saber do que já tinham imaginado, do medo, do terror de ver dois jovens nas mãos de cinco tarados? Será que certas descobertas feitas pela polícia precisam ser reveladas com tanta crueza ao mundo?
É claro que passou pela cabeça de todos que estão acompanhando os fatos que eles poderiam ter sido ainda mais brutais do que apenas -apenas!- o tiro e as facadas. Mas a não ser nas delegacias, onde essas coisas acontecem todos os dias, os que olhavam a foto de Liana e sabiam que ela tinha sobrevivido mais três ou quatro dias que o namorado pensavam no horror, mas afastavam o pensamento, tão doloroso ele era.
Não se pode mudar o que aconteceu, os criminosos precisam ser punidos. Mas será mesmo preciso revelar -e estremeço só de pensar no que pode vir por aí- o que se passou com uma menina de 16 anos num cativeiro com cinco monstros? Será que a polícia, o ministro da Justiça, a imprensa, não poderiam pensar por um minuto que fosse nos pais dessa menina, antes de contar em detalhes o que se passou? Essa falta de compaixão para mim é um crime, e me pergunto se esses detalhes do horror não deveriam ficar sob segredo de Justiça.
Para os pais de quem perdeu o filho ou a filha, o que interessa saber quem apertou o gatilho, de quem foi a idéia de abusar da menina? Não tem essa de um deles pegar cinco anos a mais de cadeia porque era o dono da espingarda ou da faca e outro cinco a menos porque não estava presente na hora da execução: são todos igualmente culpados. Mas será preciso ver as armas do crime nas fotos e na televisão, as roupas dos criminosos, lembrar dos filhos e saber, vendo a cara dos criminosos, o que cada um fez e não conseguir não imaginar a cena?
Será que é mesmo preciso? Será?

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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