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Imagem rara de santa grávida é recuperada em Paraitinga
Parte de Nossa Senhora das Mercês, de 200 anos, foi encontrada em escombros de capela
Iphan deve entregar imagem da igreja para restauração na UFBA; para professor, recuperação da santa fará cidade "ressurgir"
MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO LUIZ DO PARAITINGA
Parece notícia de tabloide:
santa grávida de barro é encontrada com o rosto intacto sob os
escombros de capela.
Mas o caso aconteceu em São
Luiz do Paraitinga. Uma imagem de barro de Nossa Senhora
das Mercês, cujo ventre proeminente sugere gravidez, foi
encontrada com a face intacta
sob os escombros da capela homônima, destruída pelo temporal que devastou a cidade.
A parte inferior da imagem,
inclusive a barriga, esfacelou-se, mas deve ser restaurada. A
santa tem mais de 200 anos, foi
levada para a cidade por uma
mineira de Caetés em 1809,
cinco anos antes da inauguração da capela, e é raríssima.
"Não conheço nenhuma outra imagem da virgem das Mercês grávida, se é que ela está
grávida", diz a historiadora
Myriam Ribeiro, professora
aposentada da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e uma das maiores especialistas em barroco brasileiro.
Existem duas santas que costumam ser representadas grávidas: Nossa Senhora do Ó e Nossa Senhora da Boa Expectação.
Santas grávidas são uma herança da Idade Média, quando
os fiéis tinham um convívio
mais íntimo com as imagens sacras e costumavam representá-la como pessoas comuns. O
Concílio de Trento, realizado
entre 1545 e 1563, acabou com
essa tradição e vetou, por
exemplo, as imagens do Cristo
nu na cruz, segundo Myriam.
A historiadora Olga Rodrigues Nunes de Souza, que cuida
do acervo da cúria de Taubaté,
diz que tudo conspirava para
que a imagem estivesse destruída. "A terracota da santa
não era bem cozida. Todo mundo achava que a imagem iria desintegrar na água. Achá-la com
o rosto bom é o que o povo costuma chamar de milagre", diz.
A santa e o vazio
A santa foi encontrada por
uma equipe comandada por José Carlos Imparato, professor
de odontologia da USP e arqueólogo nas horas vagas.
Imparato, que tirou licença
para fazer as buscas em Paraitinga, tem uma casa de veraneio a cerca de 50 metros da capela e, quando a água começou
a invadir a cidade, cogitou pegar uma canoa para tirar a imagem do altar. "Mas fiquei com
medo que me confundissem
com um saqueador", relata.
Pediu, então, a um garoto que
checasse se a imagem estava segura. O garoto entrou de canoa
na capela, viu que a imagem
não fora atingida pela água e resolveu deixá-la por lá. Isso
aconteceu no dia 1º de janeiro.
No dia seguinte a capela estava no chão e a imagem sumira.
A santa foi encontrada no segundo dia de buscas na capela,
em 4 de janeiro, por volta das
11h. "Achei, achei, achei", gritou
Luiz Antonio Veriato, voluntário nas buscas que trabalhara
no restauro da capela que ruiu.
A imagem foi salva por um golpe de sorte, segundo Imperiato.
"Ela estava deitada sobre três
pranchas de madeira. Tinha
uns 20 centímetros de barro e
de madeira sobre ela, mas havia
uma lacuna, um vazio, na parte
do rosto. Quando vi o rosto intacto, o manto e mãos em bom
estado, não acreditei".
Amanhã, Wivian Diniz, gerente do Iphan (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de bens móveis,
vai a Paraitinga verificar o que
fazer com a imagem.
O plano do Iphan é entregar a
imagem para João Dannemann, professor da Universidade Federal da Bahia da disciplina conservação e restauração de obra de arte. "A ideia é
reconstruir a santa porque é
uma obra de caráter devocional", diz. "O fiel não aceita peça
devocional sem um pedaço do
corpo. Se fosse obra de museu,
ela poderia ser restaurada sem
um braço, por exemplo."
Dom Carmo Rohden, bispo
de Taubaté, conta que dez dias
antes da enchente tentou tirar
a imagem de Paraitinga.
"Não porque eu previsse a catástrofe, mas porque ela ficaria
melhor no Museu de Arte Sacra
de Taubaté e temos que zelar
pela nossa arte sacra. Se eu fosse ditador, a imagem estaria
salva, mas não tenho vocação
para Hitler. O padre local disse
que a população venera a Nossa
Senhora das Mercês e eu aceitei
o argumento dele".
Cerca de 250 livros com a
história das irmandades de Paraitinga, duas imagens do início
do século 18 e um paramento
com aplicações em ouro foram
salvos das águas porque o museu levou-as para Taubaté.
O dentista que comandou as
escavações em que as imagens
foram achadas diz que a saída
da imagem de Paraitinga seria
uma "catástrofe". "A recuperação dessa imagem é o ressurgimento da cidade para os moradores. Ela não pode sair daqui."
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