São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Mundos mágicos


A redução da miséria no país se deve, em parte, às tecnologias sociais, inventadas em pequenos "laboratórios"


COMEÇA nesta semana, no Masp, a exposição intitulada o "Mundo Mágico de Marc Chagall". A poucos metros dali, apenas cruzando o parque, há um grupo de jovens que inventou um jeito diferente de apreciar obras desse gênio das artes plásticas -uma invenção que, neste ano, vai ser espalhada por todo o país.
Ajudados por professores de diferentes matérias, os estudantes do Dante Alighieri desenvolvem uma experiência multimídia para transformar a avenida Paulista, com seus inúmeros cinemas, galerias, teatros e espaços culturais, em salas de aula.
O Masp, com Chagall, passa a ser uma extensão virtual e presencial da escola, abrindo a possibilidade de uma série de debates, não só das artes plásticas. O Ministério da Educação descobriu esse projeto e resolveu disseminá-lo, para ajudar as escolas a lidar melhor com as novas tecnologias e a integrar o cotidiano com o currículo.
A morte de Zilda Arns, na semana passada, ajudou a mostrar a importância dos inventos como o de um punhado de adolescentes na frente de um computador -a redução da miséria no país se deve, em parte, à propagação de tecnologias sociais.

 

Quando conheci a pediatra Zilda Arns, na década de 1980, ela estava começando seu projeto de combate à mortalidade infantil -era conhecida apenas como irmã de d. Paulo. Seus primeiros testes aconteceram em municípios do Paraná. Perguntei-lhe quanto ela gastava por mês e o número de crianças que eram atendidas. A tradução jornalística da resposta foi que, com apenas 50 centavos, seria possível salvar uma vida. Por fazer tanto com tão pouco, o programa inspirou a moldar políticas públicas no Brasil que ajudaram a reduzir a desnutrição e o índice de mortalidade infantil. Transformou-se num dos melhores exemplos de tecnologia social, espalhando-se por América Latina e África.
As pessoas conseguem se identificar e se seduzir rapidamente com o poder da tecnologia quando estão diante de um novo aplicativo de celular, de um remédio capaz de enfrentar a impotência, de um televisor de alta definição ou de um GPS. Muito menos conhecidas são as tecnologias sociais, inventadas em pequenos "laboratórios".

 

Há um consenso de que, por causa do Bolsa Família, a miséria brasileira diminuiu. A raiz desse programa é o Bolsa Escola, testado nas cidades-satélites de Brasília. Belo Horizonte e Nova Iguaçu desenvolveram a experiência de bairros educativos, para transformar a comunidade em extensão das salas de aula: saúde, educação, cultura, lazer, geração de renda e esporte se convertem numa única rede. É mais um modelo que se propaga em todo o país -está, por exemplo, na Cidade de Deus, no Rio, onde o índice de homicídios caiu mais de 90% em 12 meses.
A cidade de São Paulo vem testando, desde a década de 1990, o policiamento comunitário nos bairros mais violentos. É o que explica, em parte, por que a taxa de assassinato caiu mais de 70% na cidade nos últimos dez anos e continua caindo.

 

Para enfrentar a gravidez precoce, surgiram experiências em escolas de bairros pobres, ensinando as jovens a sonhar. Durante encontros, elas discutem sobre seu futuro -se não têm nenhum projeto, são convidadas a pensar em algum. Tempos depois, são levadas a se imaginar grávidas e tentam pensar em como o futuro seria. Para aprofundar a reflexão, elas fecham os olhos e colocam debaixo da roupa uma bexiga cheia -como um feto em gestação.
Como esse método levou à redução da gravidez precoce em até 90% em algumas escolas, propagou-se em regiões metropolitanas.

 

O Instituto Unibanco tem melhorado o desempenho das escolas públicas, ensinando gestão a seus diretores e professores, além de envolver pais e alunos. Os resultados fizeram com que o projeto entrasse no banco de tecnologias do Ministério da Educação e, dali, ganhar escala.
O município de Taboão da Serra inventou a figura do professor-visitador. Ganha um bônus se visitar a família dos estudantes. Essa ação teve efeito na relação das famílias com a escola e, portanto, nas notas.

 

Começou a ser testado em Recife um modelo de gestão de escolas envolvendo a comunidade, com liderança de empresários. É uma espécie de PPP (Parceria Público-Privada) para educação. Apanharam de todos os lados, mas, diante do desempenho dos alunos, virou política oficial em todo Pernambuco. Também apanhou o modelo de gestão de hospitais públicos por entidades não governantes. Como se atendia mais com menos dinheiro, a experiência ganhou adeptos mesmo entre os grupos mais resistentes.

 

As sociais tecnologias promovem a mágica de se conseguir muito com pouco. Produz tanto a vida salva por R$ 0,50 como a magia de um Chagall manipulada por um punhado de estudantes.

 

PS - A Fundação Banco do Brasil está na vanguarda desse debate. Eles criaram um projeto para documentar e premiar tecnologias sociais: www.tecnologiasocial.org.br.

gdimen@uol.com.br


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