São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

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VIOLÊNCIA

Blindado da Polícia Militar, conhecido como "caveirão", sobe morro de área rica pela primeira vez no Rio de Janeiro

Áreas nobres viram rota de fuga do tráfico

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

"Enfim, nos integramos à "comunidade". Somos uma favela só", disse a artista plástica Ana Torres, moradora do Alto Leblon, ao se deparar, ontem pela manhã, com grupos de policiais com fuzis em punho circulando pelo bairro, um dos mais sofisticados do Rio de Janeiro, onde, segundo informação de corretores, o metro quadrado dos imóveis custa no mínimo R$ 5.000.
Foi um dia atípico no bairro, que fica no final do Leblon, na zona sul da cidade. Segundo os moradores, pela primeira vez, o "caveirão" -carro blindado do Bope (Batalhão de Operações Especiais, da Polícia Militar), usado para transportar policiais nas incursões pelas favelas- subiu suas ruas íngremes e arborizadas.
Os blindados de cor preta, com caveiras (símbolo do Bope) pintadas nas portas, eram observados à distância pelos moradores, que passaram por grande susto no início da manhã.
Por volta das 7h, bandidos armados com fuzis e metralhadoras, que haviam participado da tentativa de invasão da favela da Rocinha e se refugiado na mata densa do parque Dois Irmãos, atravessaram o portão que separa o parque do bairro e ganharam as ruas Timóteo da Costa e Sambaíba. A constatação de que o Parque Dois Irmãos pode ser usado como rota de fuga, a partir da Rocinha, foi uma surpresa para a presidente da Comunidade do Alto Leblon (associação dos moradores), a advogada Evelyn Rosenzweig, que mora há 25 anos no bairro.
"Mudou o perfil da insegurança. Há dois anos, sofríamos com os assaltos às residências, que nos aterrorizavam nos finais de semana. Os moradores se mobilizaram e conseguiram patrulhamento. Agora, a insegurança é no atacado. Meu receio é de que o Alto Leblon vire rota de fuga de traficantes em guerra", diz a advogada.
O Alto Leblon tem 2.500 unidades residenciais, entre casas e apartamentos, e nenhum estabelecimento comercial. O único ponto de comércio do bairro é uma banca de jornais.
A população, de alto poder aquisitivo, sempre se mobilizou para defender a qualidade de vida. Em 1994, os moradores se cotizaram para erradicar uma favela que estava se formando dentro do Parque Dois Irmãos. Juntaram o equivalente a US$ 250 mil e recompraram os barracos das 42 famílias que haviam se instalado no local. As construções foram derrubadas e a mata, recuperada.
Também por iniciativa dos moradores, foi montado um sistema de transporte, com dois microônibus, exclusivamente para levar moradores e empregados até a avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon. As famílias pagam um valor mensal pelo serviço.

Noite do medo
A presidente da Comunidade do Alto Leblon disse que foi avisada, anteontem à noite, de que os traficantes haviam entrado no Parque Dois Irmãos. O aviso foi dado pelo presidente da Associação dos Moradores do Alto da Gávea, o também advogado Luiz Fernando Penna. A mulher dele viu quando os bandidos, que vinham em retirada da Rocinha, quebraram o cadeado do portão de ferro que dá acesso ao parque pela rua Caio Mário.
""Só então me dei conta de que a distância entre o Alto Leblon e a Rocinha, pela mata, é de apenas 800 metros", afirmou Evelyn.
No Alto da Gávea, outro reduto de famílias de alto poder aquisitivo, já é rotina os tiroteios entre polícia e traficantes, o que levou a forte desvalorização dos imóveis.
A possibilidade de que o mesmo ocorra no Alto Leblon era um dos receios dos moradores ontem.
A artista plástica Ana Torres teme que seu apartamento, avaliado em R$ 1 milhão, se deprecie. Critica a falta de segurança também para os moradores das favelas. Ela se refere aos moradores das favelas da Rocinha, Vidigal e da Chácara do Céu, as mais próximas do Alto Leblon, como ""os vizinhos abandonados", e defende a legalização da venda de drogas para neutralizar o tráfico.


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