São Paulo, domingo, 17 de março de 2002

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DANUZA LEÃO

A maneira mais difícil

As coisas não andavam lá muito boas e uma bela tarde ela disse que era melhor que se separassem; as mulheres, nessas horas, são bem decididas. Mais do que os homens.
Ele não se mostrou surpreso, não fez nenhuma pergunta nem disse que sem ela não poderia viver, como aliás seria sua obrigação -ela achava. Botou umas coisas na sacola, disse que depois mandava buscar o resto, e foi.
Sozinha, ela sentou e chorou. Não exatamente por ele, mas pelos sonhos que sonhou, pela vida, por tudo.
Estava preparada para uma longa e penosa cena que duraria a noite toda, com acusações de parte a parte e mágoas reprimidas; esperava, na melhor das hipóteses, que civilizadamente chegassem a um acordo sobre quem ficava com quê. Mas não: ele aceitou com tanta facilidade que ela imediatamente pensou "ele deve ter outra" -o que é elementar, na cabeça de uma mulher.
A partir desse momento, no lugar de passar a viver do jeito que tinha sonhado -livre, sozinha, independente-, começou a elucubrar e, consequentemente, a sofrer. Há muito tempo ele estava indiferente; já devia estar de caso, claro, e ela só não sabia com quem. Investigou, perguntou aos amigos e não descobriu nada. Mas tinha certeza; intuição de mulher nunca falha.
Mesmo com esse grilo na cabeça foi em frente, e depois de duas ou três experiências sentimentais (?) desastrosas, em todos os sentidos, começou a achar que tinha feito uma grande bobagem. Voltou a fita e pensou: talvez tenha sido precipitada, influenciada pelas amigas -as descasadas, claro.
Daí para descobrir que era apaixonada por ele e que tudo não havia passado de uma crise que poderia ter sido contornada foi simples.
Arranjar uma desculpa e telefonar foi fácil: um dia para fazer uma pergunta sobre o seguro do carro, no outro uma gentileza do tipo se ele não queria ficar com aquele quadro de que gostava tanto, até que um dia propôs um encontro para terem uma conversa -sem passionalismos nem ressentimentos.
Conversa de amigos -ou não eram amigos?
Como boa estrategista, sugeriu um lugar neutro, um restaurante, e caprichou no visual, mas de maneira que ele não percebesse. No terceiro copo de vinho falou alguma coisa e segurou na mão dele num gesto casual, como fazem as pessoas íntimas, e conseguiu não cair da pose: disse que tinha que acordar cedo e foi para casa -sozinha.
Mas o cerco continuou; ele, que nunca soube do que é capaz uma mulher, foi relaxando, e uma bela noite foram parar num motel. Ela sentiu o sabor da primeira vitória: acabar com o romance que ela achava que ele estava vivendo. Achava não: tinha certeza.
Depois do primeiro fim de semana que passaram fora, a cerimônia acabou, e ele começou a dormir, com frequência, na casa que havia sido dele; daí para fazer as malas e voltar foi fácil.
Um belo dia, ela perguntou e ele disse a verdade: que quando se separaram não estava de caso com ninguém. E foi tão sincero que ela acreditou. No dia seguinte, depois que ele saiu, ela ficou matutando; tinha voltado por amor ou para testar sua força? Lembrou que não era a primeira vez que brigava por um homem para depois descobrir que estava mesmo é querendo saber quem era mais forte, ela ou a outra.
Pensando bem, a vida inteira ela só se interessou por homens casados ou pelo menos comprometidos.
Porque o amor, para ela, nunca teve tanta importância. Bom mesmo era a competição.

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