São Paulo, domingo, 17 de março de 2002

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GILBERTO DIMENSTEIN

Vítimas da paralisia juvenil

Inspirada num levantamento feito mundialmente pela Unesco para avaliar as perspectivas dos jovens, pesquisa divulgada na semana passada mostrou um grau agudo de desalento entre brasileiros de 18 a 25 anos de idade: 24% deles não acreditam que consigam melhorar suas próprias vidas. Em outras palavras, jogaram a toalha e não engolem os slogans de que somos o país do futuro.
Dos entrevistados, apenas 10% se mostraram interessados em temas ligados à comunidade -o que significa, na prática, desprezo quase unânime pela política no geral e os partidos, no particular.
Estão desacreditados os sistemas de intermediação da sociedade, graças a uma frustração crônica; desvincula-se a prosperidade individual da prosperidade coletiva.
A tentação provocada por essa pesquisa, patrocinada pelo Instituto Akatu, é chamar os jovens de alienados, despolitizados, vítimas, na sua individualidade extrema, de um narcisismo coletivo. Bobagem.
Os fatos políticos da semana passada mostraram como o mundo oficial dos adultos politizados é alienante -e pouco tem a falar àquela descrente faixa etária.

Diante de uma geração pragmática, sem utopias coletivas, a briga entre os candidatos, movida a dossiês, baixarias, espionagens, corrupção, assemelha-se a um cansativo besteirol.
Depois que flagraram o dinheiro na empresa de Roseana Sarney e Jorge Murad, o PFL rompeu com o governo, acusando José Serra de liderar um sistema de arapongagem.
Como troco, o partido segura a aprovação da CPMF, o que vai custar a bagatela de R$ 400 milhões por semana -cerca de 300 vezes o que foi encontrado na empresa do casal Sarney e Murad.
Só se fala em quem seriam autores de dossiês, montados supostamente com recursos ilegais. Aposta-se que assessores do PFL já estariam investigando esquema de captação de dinheiro de Serra; a qualquer momento, viriam revelações.
A sucessão presidencial traduz-se, neste momento, em dossiês e jogo de ilusões. Como esperar que os jovens, preocupados em obter melhor nível educacional para se habilitar num mercado de trabalho cada vez mais competitivo, sintam-se entusiasmados a acompanhar essa novela repetitiva?
Alienante é, na verdade, essa política com "p" minúsculo.

Está em andamento, ainda nos bastidores da sociedade civil, um esforço para colocar o jovem na agenda política brasileira -e é justamente nessa faixa que se gera o clima de insegurança, marcado pela violência.
Técnicos prepararam um documento básico a ser discutido com as principais entidades voltadas à educação, juventude e direitos humanos, da CNBB, OAB, até Abrinq, Ethos, para ser entregue aos candidatos de todos os partidos, sem distinção.
O texto básico será apresentado na próxima quinta-feira durante o prêmio de jornalismo Ayrton Senna, defendendo a idéia de que o Brasil, que "já venceu a paralisia infantil, tem de enfrentar a paralisia juvenil".
Tal enfrentamento implica ações coordenadas nas esferas federal, estadual e municipal, combinadas com empresas, sindicatos e entidades não-governamentais, para programas de educação, cultura, saúde, lazer, renda, qualificação profissional.
O que se defende, em poucas palavras, é uma política para juventude tão articulada e ampla como uma política para melhorar as exportações.
São realizadas hoje várias ações fragmentadas, escassas, com baixo impacto, nem de longe capazes de desmontar os guetos que infestam as cidades e alimentam a marginalidade. Quando anunciadas, ganham manchetes, viram notícias, mas logo exibem baixa eficácia, por serem descontinuadas ou desarticuladas.

Para as propostas de campanhas sobre segurança não se tornarem uma palhaçada eleitoral, destinada apenas a alegrar fugazmente o cidadão, é premissa básica que os candidatos tenham na cabeça uma política voltada para juventude.
Poucas pessoas sabem que muitas das soluções possíveis já estão, embora tímida e espaçosamente, ocorrendo no país. Por exemplo: a abertura de escolas, transformadas em centro de vivência comunitária, nos finais de semana; programa para estímulo de aprendizes; renda mínima para jovens; estímulos ao primeiro emprego; uso das artes e dos esportes para inclusão social; investimentos em escolas de ensino médio, na formação de professores e melhoria curricular.
Assim como apenas uma área do governo conseguiria melhorar as exportações -o que seria tido como ridículo-, só a integração de vários níveis de governo, como se observa na Europa e nos Estados Unidos, conseguiria algum resultado nessa doença chamada paralisia juvenil.



PS - Coloquei o documento preliminar sobre uma política de juventude, junto com artigos sobre a questão do jovem, no Aprendiz: www.aprendiz.org.br.
E-mail -
gdimen@uol.com.br




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