|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
Vítimas da paralisia juvenil
Inspirada num levantamento feito mundialmente pela Unesco para avaliar as perspectivas dos jovens, pesquisa divulgada na semana passada mostrou um grau agudo de desalento
entre brasileiros de 18 a 25 anos
de idade: 24% deles não acreditam que consigam melhorar suas
próprias vidas. Em outras palavras, jogaram a toalha e não engolem os slogans de que somos o
país do futuro.
Dos entrevistados, apenas 10%
se mostraram interessados em temas ligados à comunidade -o
que significa, na prática, desprezo
quase unânime pela política no
geral e os partidos, no particular.
Estão desacreditados os sistemas de intermediação da sociedade, graças a uma frustração
crônica; desvincula-se a prosperidade individual da prosperidade
coletiva.
A tentação provocada por essa
pesquisa, patrocinada pelo Instituto Akatu, é chamar os jovens de
alienados, despolitizados, vítimas, na sua individualidade extrema, de um narcisismo coletivo.
Bobagem.
Os fatos políticos da semana
passada mostraram como o mundo oficial dos adultos politizados
é alienante -e pouco tem a falar
àquela descrente faixa etária.
Diante de uma geração pragmática, sem utopias coletivas, a
briga entre os candidatos, movida
a dossiês, baixarias, espionagens,
corrupção, assemelha-se a um
cansativo besteirol.
Depois que flagraram o dinheiro na empresa de Roseana Sarney
e Jorge Murad, o PFL rompeu
com o governo, acusando José
Serra de liderar um sistema de
arapongagem.
Como troco, o partido segura a
aprovação da CPMF, o que vai
custar a bagatela de R$ 400 milhões por semana -cerca de 300
vezes o que foi encontrado na empresa do casal Sarney e Murad.
Só se fala em quem seriam autores de dossiês, montados supostamente com recursos ilegais.
Aposta-se que assessores do PFL
já estariam investigando esquema de captação de dinheiro de
Serra; a qualquer momento, viriam revelações.
A sucessão presidencial traduz-se, neste momento, em dossiês e
jogo de ilusões. Como esperar que
os jovens, preocupados em obter
melhor nível educacional para se
habilitar num mercado de trabalho cada vez mais competitivo,
sintam-se entusiasmados a acompanhar essa novela repetitiva?
Alienante é, na verdade, essa
política com "p" minúsculo.
Está em andamento, ainda nos
bastidores da sociedade civil, um
esforço para colocar o jovem na
agenda política brasileira -e é
justamente nessa faixa que se gera o clima de insegurança, marcado pela violência.
Técnicos prepararam um documento básico a ser discutido com
as principais entidades voltadas à
educação, juventude e direitos
humanos, da CNBB, OAB, até
Abrinq, Ethos, para ser entregue
aos candidatos de todos os partidos, sem distinção.
O texto básico será apresentado
na próxima quinta-feira durante
o prêmio de jornalismo Ayrton
Senna, defendendo a idéia de que
o Brasil, que "já venceu a paralisia infantil, tem de enfrentar a
paralisia juvenil".
Tal enfrentamento implica
ações coordenadas nas esferas federal, estadual e municipal, combinadas com empresas, sindicatos
e entidades não-governamentais,
para programas de educação, cultura, saúde, lazer, renda, qualificação profissional.
O que se defende, em poucas palavras, é uma política para juventude tão articulada e ampla como
uma política para melhorar as
exportações.
São realizadas hoje várias ações
fragmentadas, escassas, com baixo impacto, nem de longe capazes
de desmontar os guetos que infestam as cidades e alimentam a
marginalidade. Quando anunciadas, ganham manchetes, viram notícias, mas logo exibem
baixa eficácia, por serem descontinuadas ou desarticuladas.
Para as propostas de campanhas sobre segurança não se tornarem uma palhaçada eleitoral,
destinada apenas a alegrar fugazmente o cidadão, é premissa básica que os candidatos tenham na
cabeça uma política voltada para
juventude.
Poucas pessoas sabem que muitas das soluções possíveis já estão,
embora tímida e espaçosamente,
ocorrendo no país. Por exemplo: a
abertura de escolas, transformadas em centro de vivência comunitária, nos finais de semana;
programa para estímulo de
aprendizes; renda mínima para
jovens; estímulos ao primeiro emprego; uso das artes e dos esportes
para inclusão social; investimentos em escolas de ensino médio,
na formação de professores e melhoria curricular.
Assim como apenas uma área
do governo conseguiria melhorar
as exportações -o que seria tido
como ridículo-, só a integração
de vários níveis de governo, como
se observa na Europa e nos Estados Unidos, conseguiria algum
resultado nessa doença chamada
paralisia juvenil.
PS - Coloquei o documento preliminar sobre uma política de juventude, junto com artigos sobre
a questão do jovem, no Aprendiz:
www.aprendiz.org.br.
E-mail -
gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Mortes Próximo Texto: Tempo: Mês de março está mais quente que o auge do verão Índice
|