|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TRABALHO INFANTIL
Crianças recolhem restos de carne
Cerca de 20 menores passam seus dias em matadouro acreano
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
Descalços, sem camisa e munidos de facões e espátulas pontiagudas. Assim cerca de 20
crianças e adolescentes acreanos com idade entre oito e 15
anos passam horas de seus dias
no Matadouro de Sena Madureira (147 km de Rio Branco),
recolhendo restos de carnes,
que se tornam essenciais para a
subsistência de suas famílias.
No local -que fica a cerca de
10 km do centro da cidade e ao
lado de um lixão-, as condições de higiene são precárias e o
risco de contaminação por diversas doenças, iminente.
Sem nenhum tipo de estrutura, crianças, adolescentes e
adultos ficam em contato com o
sangue de bovinos, suínos e caprinos. O uso de botas e luvas é
raridade. O abate ainda é feito
de forma primitiva: por meio de
facadas na nuca dos animais.
Os menores não são remunerados pelas cinco horas que passam diariamente no matadouro. O único lucro é encontrar
miúdos e ossos que mais tarde
serão o almoço e o jantar.
Há também aqueles que
transformam a carne recolhida
em matéria-prima para a preparação de pastéis e quibes, comercializados nas ruas e feiras.
Segundo a DRT (Delegacia
Regional do Trabalho) no Acre,
a falta de higiene é confirmada
pela presença de urubus e carniças no mesmo local em que os
adultos lavam o mocotó a ser
vendido no mercado da cidade.
No ano passado, a DRT já havia notificado as autoridades da
cidade em relação à existência
de menores trabalhando em
vias públicas e no próprio matadouro. Mas nada foi feito para
coibir o trabalho infantil.
O delegado regional do Trabalho e Emprego no Acre, Altevir
Cavalcante de Souza, ao lado do
procurador-geral do Trabalho
Marcelo Dambroso, irá à cidade
na próxima quinta-feira para se
reunir com a prefeita Antonia
Franca de Oliveira (PFL) e com
um grupo de vereadores para
tentar dar um basta na situação.
"Iremos a Sena Madureira decididos a resolver o problema
do matadouro, nem que para isso precisemos interditá-lo",
afirma Cavalcante de Souza.
Fato comum
Para o professor de ciência e
tecnologia de carnes da Unicamp, Pedro Eduardo de Felício, cerca de 30% dos 32 milhões
de cabeças de gado abatidos por
ano no país são oriundos de matadouros clandestinos.
"O abate clandestino é feito
em casebres, em barracões",
afirma Felício, que também é o
atual presidente da Associação
Brasileira de Ciência de Carne.
Segundo ele, quem manipula
a carne está sujeito a contrair
brucelose (doença que dá um
prejuízo de US$ 100 milhões/ano à pecuária brasileira) e infecções bacterianas. Já para os que
consomem a carne, existe o risco de contrair a solitária.
Segundo Felício, cerca de 240
frigoríficos operam hoje em
condições ideais de segurança e
higiene em todo o país.
Outro lado
A falta de fiscalização e de opções de trabalho faz com que o
matadouro de Sena Madureira
se torne uma das poucas opções
para as crianças pobres ajudarem seus pais. Essa é a opinião
de um assessor da prefeita Antonia Franca de Oliveira (PFL),
que pediu à reportagem para
não ser identificado.
Para ele, a prefeitura prefere
fechar os olhos diante de um
grave problema a ver as crianças
mendigando ou passando fome.
A Agência Folha tentou nos
últimos dias falar com a prefeita,
mas ela não respondeu aos recados. Com 29.412 habitantes, segundo o Censo 2000, Sena Madureira é a terceira cidade mais
populosa do Estado.
Texto Anterior: Dobram crimes graves de menores Próximo Texto: Marilene Felinto: A cara feia da elite do Norte/Nordeste Índice
|