São Paulo, terça-feira, 17 de abril de 2001

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TRABALHO INFANTIL

Crianças recolhem restos de carne

Cerca de 20 menores passam seus dias em matadouro acreano

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA

Descalços, sem camisa e munidos de facões e espátulas pontiagudas. Assim cerca de 20 crianças e adolescentes acreanos com idade entre oito e 15 anos passam horas de seus dias no Matadouro de Sena Madureira (147 km de Rio Branco), recolhendo restos de carnes, que se tornam essenciais para a subsistência de suas famílias.
No local -que fica a cerca de 10 km do centro da cidade e ao lado de um lixão-, as condições de higiene são precárias e o risco de contaminação por diversas doenças, iminente.
Sem nenhum tipo de estrutura, crianças, adolescentes e adultos ficam em contato com o sangue de bovinos, suínos e caprinos. O uso de botas e luvas é raridade. O abate ainda é feito de forma primitiva: por meio de facadas na nuca dos animais.
Os menores não são remunerados pelas cinco horas que passam diariamente no matadouro. O único lucro é encontrar miúdos e ossos que mais tarde serão o almoço e o jantar.
Há também aqueles que transformam a carne recolhida em matéria-prima para a preparação de pastéis e quibes, comercializados nas ruas e feiras.
Segundo a DRT (Delegacia Regional do Trabalho) no Acre, a falta de higiene é confirmada pela presença de urubus e carniças no mesmo local em que os adultos lavam o mocotó a ser vendido no mercado da cidade.
No ano passado, a DRT já havia notificado as autoridades da cidade em relação à existência de menores trabalhando em vias públicas e no próprio matadouro. Mas nada foi feito para coibir o trabalho infantil.
O delegado regional do Trabalho e Emprego no Acre, Altevir Cavalcante de Souza, ao lado do procurador-geral do Trabalho Marcelo Dambroso, irá à cidade na próxima quinta-feira para se reunir com a prefeita Antonia Franca de Oliveira (PFL) e com um grupo de vereadores para tentar dar um basta na situação.
"Iremos a Sena Madureira decididos a resolver o problema do matadouro, nem que para isso precisemos interditá-lo", afirma Cavalcante de Souza.

Fato comum
Para o professor de ciência e tecnologia de carnes da Unicamp, Pedro Eduardo de Felício, cerca de 30% dos 32 milhões de cabeças de gado abatidos por ano no país são oriundos de matadouros clandestinos.
"O abate clandestino é feito em casebres, em barracões", afirma Felício, que também é o atual presidente da Associação Brasileira de Ciência de Carne.
Segundo ele, quem manipula a carne está sujeito a contrair brucelose (doença que dá um prejuízo de US$ 100 milhões/ano à pecuária brasileira) e infecções bacterianas. Já para os que consomem a carne, existe o risco de contrair a solitária.
Segundo Felício, cerca de 240 frigoríficos operam hoje em condições ideais de segurança e higiene em todo o país.

Outro lado
A falta de fiscalização e de opções de trabalho faz com que o matadouro de Sena Madureira se torne uma das poucas opções para as crianças pobres ajudarem seus pais. Essa é a opinião de um assessor da prefeita Antonia Franca de Oliveira (PFL), que pediu à reportagem para não ser identificado.
Para ele, a prefeitura prefere fechar os olhos diante de um grave problema a ver as crianças mendigando ou passando fome.
A Agência Folha tentou nos últimos dias falar com a prefeita, mas ela não respondeu aos recados. Com 29.412 habitantes, segundo o Censo 2000, Sena Madureira é a terceira cidade mais populosa do Estado.



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