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MOACYR SCLIAR
Lutando contra a invasão
Invasão das cigarras toma conta dos
EUA. Bilhões de insetos alados, extremamente barulhentos e de olhos
vermelhos estão invadindo mais de
dez Estados norte-americanos. Folha Ciência, 15.mai.2004
Embora esperada -tratava-se de fenômeno cíclico,
ocorrendo a cada dez anos- e
apesar das explicações dos cientistas, a invasão das cigarras desencadeou uma onda de paranóia sem precedentes nos Estados
Unidos, sobretudo por ocorrer
num período de conflitos externos
violentos. Não faltou quem visse
no fato uma variante de guerra
biológica, usando insetos ao invés
de germes. Uma organização anticomunista, renascida das próprias cinzas graças ao alarme
causado pelo noticiário, listava
vários argumentos em favor dessa
tese. O principal era a coloração
dos olhos, de um vermelho muito
vivo. "Por que vermelho?", perguntava a declaração da entidade. "Por que não azuis, ou castanhos? Simples: porque vermelho é
a cor da revolução, é a cor da subversão, é a cor do comunismo." As
especulações iam mais além: o
canto das cigarras seria apenas
uma versão, adaptada para insetos, da "Internacional", o tradicional hino comunista. Ensurdecer os cidadãos com esse hino faria o efeito de uma verdadeira lavagem cerebral por via auditiva.
Tantas foram as pressões que o
governo viu-se obrigado a tomar
providências. Vários alternativas
foram discutidas. Uma delas consistia em aprisionar cigarras, fotografá-las em posições abjetas, e
depois colocar gigantescas reproduções dessas fotos em outdoors,
de modo a humilhar os insetos e
convencê-los a deixar o país. Mas
as fotos sem dúvida seriam desagradáveis e acabariam por resultar em prejuízo para a própria
campanha. Da mesma maneira,
medidas como usar mísseis cheio
de inseticidas foram descartadas.
Chegou-se a um impasse; ao comitê de crise, reunido em tempo
integral, já não ocorria nenhuma
boa idéia. Foi então que um dos
membros do comitê lembrou-se
de uma fábula de La Fontaine
que tinha lido ainda na escola. A
fábula chamava-se "A cigarra e a
formiga". Ali estava a solução.
Bilhões de formigas foram imediatamente coletadas e treinadas,
mediante técnicas comportamentais, para atacarem os galhos
das árvores onde as cigarras depositariam seus ovos. Dessa maneira a espécie seria simplesmente extinta.
A operação, batizada de "Você
cantava, agora dance", revestiu-se do mais completo êxito. Galhos
tombavam das árvores, com os
ovos das cigarras, e eram imediatamente destruídos. A invasão
das cigarras chegava ao fim e
nunca mais se repetiria.
O problema agora é o que fazer
com as formigas, que estão se
espalhando por todo o país. Mas
isto é fácil: basta reunir um outro
comitê de crise. Basta pensar
em alguma outra fábula de La
Fontaine.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção
baseado em reportagens publicadas no
jornal.
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