São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006

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GUERRA URBANA/ O FUTURO

Especialistas afirmam que demonstrações de poder e entrelaçamento com setores do Estado aproximam facção da Máfia e dos cartéis

Estágio do PCC é "pré-mafioso", diz analista

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O PCC (Primeiro Comando da Capital) já pode ser considerado uma organização "pré-mafiosa", um embrião similar às estruturas criminosas italianas e colombianas, conhecidas na América Latina como cartéis.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, a demonstração de força do PCC nos últimos dias ressaltou os dois principais elementos que caracterizam as estruturas mafiosas: o controle territorial e os tentáculos estendidos para dentro do Estado.
No primeiro ponto, dizem, ficou patente o controle que o PCC exerce de dentro dos presídios -ironicamente o local construído justamente para tirar seus membros de circulação.
Além disso, haveria um controle territorial e social crescente em São Paulo, já que dezenas de ataques foram coordenados sem que tivessem sido denunciados ou rechaçados a tempo.
No segundo caso, além da já conhecida conivência de policiais e carcereiros com membros encarcerados do PCC, os especialistas acreditam que houve "de fato" um acordo entre a facção e as autoridades paulistas para pôr fim aos ataques. O comando da organização, portanto, conseguiria hoje "dar ordens" às autoridades.
"As máfias e cartéis estão apenas alguns passos à frente. O Brasil está em um nível intermediário, e não apenas com o PCC. É só olhar o controle que algumas organizações exercem no Rio", afirma o norte-americano William Perry, ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional para assuntos de América Latina no governo de Ronald Reagan (1981-1989) e hoje editor da "Jane's Latin America", uma das principais publicações do mundo sobre geopolítica e assuntos policiais.

"Amendoins e macacos"
Perry diz que o "entrelaçamento" entre facções criminosas e policiais no Brasil é um passo importante na direção a um estágio mais avançado na consolidação das máfias. Ele critica a forma como a polícia é tratada no país, o que favoreceria a corrupção.
"If you pay them peanuts, you get monkeys [Se você paga com amendoins, recebe macacos]", afirma, por exemplo, sobre os salários de policiais. A média mensal na PM paulista é de R$ 1.200.
Thomaz Costa, professor de Assuntos de Segurança Nacional do Centro de Estudos para Defesa do Hemisfério, de Washington, acredita que o PCC ainda esteja no "primeiro estágio" no caminho que leva à formação das máfias.
"Já há uma violência aberta que desafia as autoridades a barganhar com o crime", afirma. "No segundo estágio, o crime deve se sobrepor à área de atuação do Estado, o que é muito caro."
Mesmo no caso das favelas cariocas, Costa lembra que não são necessariamente as facções criminosas que fornecem alguns serviços à população, "mas são elas que autorizam a atuação do Estado dentro desses territórios".

Controle territorial e político
O que ainda mantém o PCC e outras facções no estágio "pré-máfia" é também a extensão do controle territorial e político.
No caso italiano, por exemplo, mafiosos famosos como Salvatore ("Totó") Riina e Bernardo Provenzano (preso em abril) chegaram a controlar partes do poder político e comandaram a eliminação de juízes ao longo dos anos.
Mas, assim como deseja Marcos Willians Camacho, o Marcola, líder do PCC, vários "capos" italianos controlavam prisões no país. Da mesma forma, o PCC também ensaia "eliminar" autoridades, como no caso do assassinato do juiz-corregedor de Presidente Prudente, Antônio Machado Dias, morto em emboscada encomendada pela facção em 2003.
Já o controle territorial é muito tênue em São Paulo (e maior no Rio), diferentemente do que ocorria na Sicília (onde Provenzano viveu quase 43 anos e "Totó" Riina 23 "foragidos") e na Colômbia.
Antes de ser morto, em dezembro de 1993, o chefe do cartel de Medellín, Pablo Escobar, chegou a controlar uma região inteira na Colômbia, sarcasticamente batizada como "Tranqüilândia". Era a principal área de refino da coca.
Escobar também construiu para si uma "prisão", chamada "La Catedral". Foi erguida muito mais para Escobar se refugiar dos agentes da DEA (a agência antidrogas norte-americana) e de uma extradição para os EUA do que para cumprir uma condenação.
A inglesa Caroline Moser, pesquisadora do Overseas Development Institute e estudiosa de gangues e traficantes na América Latina, afirma que, além da droga, os criminosos colombianos alimentavam suas atividades com "discursos políticos e culturais".
No caso brasileiro, o problema seria "mais econômico", mas com potencial para "migrar" para a política e para outros ramos.

"Rumo ao Estado mafioso"
O professor de direito penal Walter Maierovitch, presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone (em referência ao juiz italiano assassinado pela máfia em 1992), afirma, no entanto, que organizações como o PCC hoje "já edificam as estruturas para a formação de um Estado mafioso".
Ele cita dois exemplos correlatos que mostram essa "evolução".
O primeiro é o fato de a lei brasileira não exigir mais "laudos técnico-científicos" sobre a periculosidade dos presos. Basta um atestado de bom comportamento do diretor dos presídios. No caso paulista, dominados pelo PCC.
O segundo estaria na própria base de funcionamento do sistema progressivo de execução penal. Cumpridos um sexto da pena em regime fechado (e juntando-se a isso o atestado de bom comportamento), os prisioneiros têm direito ao regime semi-aberto e, depois de mais um sexto da pena nele, ao regime aberto.


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