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GUERRA URBANA/ O FUTURO
Especialistas afirmam que demonstrações de poder e entrelaçamento com setores do Estado aproximam facção da Máfia e dos cartéis
Estágio do PCC é "pré-mafioso", diz analista
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O PCC (Primeiro Comando da
Capital) já pode ser considerado
uma organização "pré-mafiosa",
um embrião similar às estruturas
criminosas italianas e colombianas, conhecidas na América Latina como cartéis.
Segundo especialistas ouvidos
pela Folha, a demonstração de
força do PCC nos últimos dias
ressaltou os dois principais elementos que caracterizam as estruturas mafiosas: o controle territorial e os tentáculos estendidos
para dentro do Estado.
No primeiro ponto, dizem, ficou patente o controle que o PCC
exerce de dentro dos presídios
-ironicamente o local construído justamente para tirar seus
membros de circulação.
Além disso, haveria um controle territorial e social crescente em
São Paulo, já que dezenas de ataques foram coordenados sem que
tivessem sido denunciados ou rechaçados a tempo.
No segundo caso, além da já conhecida conivência de policiais e
carcereiros com membros encarcerados do PCC, os especialistas
acreditam que houve "de fato"
um acordo entre a facção e as autoridades paulistas para pôr fim
aos ataques. O comando da organização, portanto, conseguiria
hoje "dar ordens" às autoridades.
"As máfias e cartéis estão apenas alguns passos à frente. O Brasil está em um nível intermediário, e não apenas com o PCC. É só
olhar o controle que algumas organizações exercem no Rio", afirma o norte-americano William
Perry, ex-diretor do Conselho de
Segurança Nacional para assuntos de América Latina no governo
de Ronald Reagan (1981-1989) e
hoje editor da "Jane's Latin America", uma das principais publicações do mundo sobre geopolítica
e assuntos policiais.
"Amendoins e macacos"
Perry diz que o "entrelaçamento" entre facções criminosas e policiais no Brasil é um passo importante na direção a um estágio
mais avançado na consolidação
das máfias. Ele critica a forma como a polícia é tratada no país, o
que favoreceria a corrupção.
"If you pay them peanuts, you
get monkeys [Se você paga com
amendoins, recebe macacos]",
afirma, por exemplo, sobre os salários de policiais. A média mensal na PM paulista é de R$ 1.200.
Thomaz Costa, professor de Assuntos de Segurança Nacional do
Centro de Estudos para Defesa do
Hemisfério, de Washington, acredita que o PCC ainda esteja no
"primeiro estágio" no caminho
que leva à formação das máfias.
"Já há uma violência aberta que
desafia as autoridades a barganhar com o crime", afirma. "No
segundo estágio, o crime deve se
sobrepor à área de atuação do Estado, o que é muito caro."
Mesmo no caso das favelas cariocas, Costa lembra que não são
necessariamente as facções criminosas que fornecem alguns serviços à população, "mas são elas
que autorizam a atuação do Estado dentro desses territórios".
Controle territorial e político
O que ainda mantém o PCC e
outras facções no estágio "pré-máfia" é também a extensão do
controle territorial e político.
No caso italiano, por exemplo,
mafiosos famosos como Salvatore
("Totó") Riina e Bernardo Provenzano (preso em abril) chegaram a controlar partes do poder
político e comandaram a eliminação de juízes ao longo dos anos.
Mas, assim como deseja Marcos
Willians Camacho, o Marcola, líder do PCC, vários "capos" italianos controlavam prisões no país.
Da mesma forma, o PCC também
ensaia "eliminar" autoridades,
como no caso do assassinato do
juiz-corregedor de Presidente
Prudente, Antônio Machado
Dias, morto em emboscada encomendada pela facção em 2003.
Já o controle territorial é muito
tênue em São Paulo (e maior no
Rio), diferentemente do que ocorria na Sicília (onde Provenzano
viveu quase 43 anos e "Totó" Riina 23 "foragidos") e na Colômbia.
Antes de ser morto, em dezembro de 1993, o chefe do cartel de
Medellín, Pablo Escobar, chegou
a controlar uma região inteira na
Colômbia, sarcasticamente batizada como "Tranqüilândia". Era a
principal área de refino da coca.
Escobar também construiu para si uma "prisão", chamada "La
Catedral". Foi erguida muito mais
para Escobar se refugiar dos agentes da DEA (a agência antidrogas
norte-americana) e de uma extradição para os EUA do que para
cumprir uma condenação.
A inglesa Caroline Moser, pesquisadora do Overseas Development Institute e estudiosa de gangues e traficantes na América Latina, afirma que, além da droga,
os criminosos colombianos alimentavam suas atividades com
"discursos políticos e culturais".
No caso brasileiro, o problema
seria "mais econômico", mas com
potencial para "migrar" para a
política e para outros ramos.
"Rumo ao Estado mafioso"
O professor de direito penal
Walter Maierovitch, presidente
do Instituto Brasileiro Giovanni
Falcone (em referência ao juiz italiano assassinado pela máfia em
1992), afirma, no entanto, que organizações como o PCC hoje "já
edificam as estruturas para a formação de um Estado mafioso".
Ele cita dois exemplos correlatos que mostram essa "evolução".
O primeiro é o fato de a lei brasileira não exigir mais "laudos técnico-científicos" sobre a periculosidade dos presos. Basta um atestado de bom comportamento do
diretor dos presídios. No caso
paulista, dominados pelo PCC.
O segundo estaria na própria
base de funcionamento do sistema progressivo de execução penal. Cumpridos um sexto da pena
em regime fechado (e juntando-se a isso o atestado de bom comportamento), os prisioneiros têm
direito ao regime semi-aberto e,
depois de mais um sexto da pena
nele, ao regime aberto.
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