São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006

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VISÃO DE UM CARIOCA

Do outro lado do mesmo problema

SERGIO COSTA
DA SUCURSAL DO RIO, EM SÃO PAULO

Parentes ligam assustados: "Já chegou ao hotel?". Deu finalmente para saber o que pensam, do outro lado dos jornais nacionais, os demais brasileiros ao verem a barbárie do Rio em horário nobre.
A fama é de o carioca levar tudo no bom humor. Mas PCC daqui ou CV e TC de lá não têm graça. Não dá sequer para encaixar aquela piadinha de autocomiseração que, sempre que acontece algo fora do comum além do "balneário", um colunista do Rio repete. Está horrível viver em qualquer lugar.
De repente, uma das situações mais simples de uma grande cidade fica impossível: ir na esquina tomar um café, uma cerveja (chops?). A esquina fechou mais cedo por medo, pânico, terror. Para quem vem de fora, simplesmente não há para onde ir. No caso, nem pra casa.
Tudo por conta das ações de uma facção criminosa, um tal PCC, que para alguns mandantes deste Estado tratava-se de ficção da imprensa -ou coisa que o valha.
Veio o medo, inimigo invisível, embora nada ficcional, capaz de cruzar rapidamente a esquina da Ipiranga com a São João e se espalhar à noite pelo Estado. Medo assistido com perplexidade por um país grudado na TV.
O efeito infiltrou-se na rotina de quem não vive aqui. No hotel, o aviso: "Em razão dos problemas em São Paulo, estamos com a equipe de arrumadeiras reduzida, por isso o tempo de arrumação no apartamento será menor. Solicitamos a colaboração de hóspedes e moradores".
Na TV a cabo: "Por causa dos acontecimentos, nossa capacidade de atendimento está reduzida. Contamos com sua compreensão".
Melhor comer. No restaurante do hotel, já que não dá para sair e desfrutar as inúmeras opções gastronômicas da cidade, outro hóspede, desavisado e recém-chegado, comenta com o maître: "Saí por aí para ver o que arrumava, mas a cidade está deserta. Nem as "meninas" estão trabalhando. Voltei correndo, está sinistro".
Sem ônibus, o maître andou mais de 6 km para chegar aqui. A água terá de ser a mais cara, do frigobar mesmo. O mercado do outro lado da rua fechou mais cedo.
A terceira maior aglomeração urbana mundial, que bate no peito o orgulho de ser melhor em tudo -capaz até de uma pontinha de ufanismo quando o trânsito se aproxima dos 200 km-, teve sua rotina alterada de forma monstruosa: na grandeza e na perversidade.
Impactante até para o forasteiro acostumado à rotina de uma cidade que não pára de mostrar que o fundo do poço a que chegam é sempre falso. No Rio, a violência é fratura exposta, como bem (ou para o mal) definiu o editor de Brasil da Folha, Fernando de Barros e Silva, numa reunião do jornal.
Se fosse do outro lado da Dutra, haveria um festival de sangue e exposição macabra de corpos. Até agora não se viu corpo. E registre-se que a polícia disse ter matado ao menos uns "50 suspeitos".
É guerra com números, mas quase sempre sem nomes nem cara. Só a do medo encapuzado instalado no saguão de Congonhas. Logo ali, porta de entrada e saída desta cidade sem horizonte.


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