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VISÃO DE UM CARIOCA
Do outro lado do mesmo problema
SERGIO COSTA
DA SUCURSAL DO RIO, EM SÃO PAULO
Parentes ligam assustados:
"Já chegou ao hotel?". Deu
finalmente para saber o que
pensam, do outro lado dos
jornais nacionais, os demais
brasileiros ao verem a barbárie do Rio em horário nobre.
A fama é de o carioca levar
tudo no bom humor. Mas
PCC daqui ou CV e TC de lá
não têm graça. Não dá sequer para encaixar aquela
piadinha de autocomiseração que, sempre que acontece algo fora do comum além
do "balneário", um colunista do Rio repete. Está horrível viver em qualquer lugar.
De repente, uma das situações mais simples de uma
grande cidade fica impossível: ir na esquina tomar um
café, uma cerveja (chops?). A
esquina fechou mais cedo
por medo, pânico, terror.
Para quem vem de fora, simplesmente não há para onde
ir. No caso, nem pra casa.
Tudo por conta das ações
de uma facção criminosa,
um tal PCC, que para alguns
mandantes deste Estado tratava-se de ficção da imprensa -ou coisa que o valha.
Veio o medo, inimigo invisível, embora nada ficcional,
capaz de cruzar rapidamente a esquina da Ipiranga com
a São João e se espalhar à
noite pelo Estado. Medo assistido com perplexidade
por um país grudado na TV.
O efeito infiltrou-se na rotina de quem não vive aqui.
No hotel, o aviso: "Em razão
dos problemas em São Paulo, estamos com a equipe de
arrumadeiras reduzida, por
isso o tempo de arrumação
no apartamento será menor.
Solicitamos a colaboração
de hóspedes e moradores".
Na TV a cabo: "Por causa
dos acontecimentos, nossa
capacidade de atendimento
está reduzida. Contamos
com sua compreensão".
Melhor comer. No restaurante do hotel, já que não dá
para sair e desfrutar as inúmeras opções gastronômicas da cidade, outro hóspede, desavisado e recém-chegado, comenta com o maître: "Saí por aí para ver o que
arrumava, mas a cidade está
deserta. Nem as "meninas"
estão trabalhando. Voltei
correndo, está sinistro".
Sem ônibus, o maître andou mais de 6 km para chegar aqui. A água terá de ser a
mais cara, do frigobar mesmo. O mercado do outro lado da rua fechou mais cedo.
A terceira maior aglomeração urbana mundial, que
bate no peito o orgulho de
ser melhor em tudo -capaz
até de uma pontinha de ufanismo quando o trânsito se
aproxima dos 200 km-, teve sua rotina alterada de forma monstruosa: na grandeza e na perversidade.
Impactante até para o forasteiro acostumado à rotina
de uma cidade que não pára
de mostrar que o fundo do
poço a que chegam é sempre
falso. No Rio, a violência é
fratura exposta, como bem
(ou para o mal) definiu o
editor de Brasil da Folha,
Fernando de Barros e Silva,
numa reunião do jornal.
Se fosse do outro lado da
Dutra, haveria um festival de
sangue e exposição macabra
de corpos. Até agora não se
viu corpo. E registre-se que a
polícia disse ter matado ao
menos uns "50 suspeitos".
É guerra com números,
mas quase sempre sem nomes nem cara. Só a do medo
encapuzado instalado no saguão de Congonhas. Logo
ali, porta de entrada e saída
desta cidade sem horizonte.
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