São Paulo, sábado, 17 de junho de 2006

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WALTER CENEVIVA

Verticalização horizontal

A verticalização nas eleições é debate importantíssimo, mas vem afastando outros temas de interesse comum

SE O LEITOR considerou absurdo o título, saiba que foi pensado para examinar, num primeiro momento, as coligações partidárias na próxima eleição e sua influência no processo do voto, para daí tirar outras conseqüências, ao fim. Começo com o artigo 16 da Constituição, pelo qual a lei, que altera o processo eleitoral, "não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência". Essa norma se liga ao novo parágrafo 1º do artigo 17 da Carta, introduzido em março último. Em matéria de coligações, o parágrafo "liberou geral": pode tudo.
Veio o Supremo Tribunal Federal (STF) e disse não. O parágrafo só será aplicado a contar de 2007, porque o artigo 16 proíbe a aplicação imediata. O leitor não familiarizado com as tramas da política deve saber que partidos coligados em nível federal poderão fazer qualquer outra coligação nos Estados e municípios a partir de 2007. Esta solução deixará de ser ilegal, afastando o que até aqui era imoralmente político ou politicamente imoral -escolha a alternativa que lhe pareça melhor- permitindo partidos uníssonos na União e contraditórios nos níveis estadual e municipal. O novo parágrafo 1º do artigo 17 legalizará as contradições.
Nessa linha o Tribunal Superior Eleitoral esteve na berlinda, ao rever decisão por seis votos a um, na qual seus ministros responderam a consulta do Partido Liberal (PL) para dizer que nenhum partido político poderia, em 2006, fazer coligação diferente da adotada nacionalmente, mesmo sem ter candidato a presidente da República. Resolveu desdizer-se logo depois. A revisão despertou críticas, mas deveria ter sido elogiada. Juízes e tribunais erram. Às vezes resistem em reconhecer o erro, mesmo sob pena de serem injustos. No caso do TSE, aceitou a proposta de reconsideração feita por seu presidente, ministro Marco Aurélio. Admitiu a "verticalização flexibilizada" para partidos sem candidato a presidente.
A corte eleitoral terminou criticada por ter cão (fixou a verticalização integral) e por não ter cão (corrigiu o erro). Chego, finalmente, ao ponto básico desse comentário: tratou-se de mais uma discussão anestésica, afastando questões fundamentais da prática da democracia, como são as do papel do Estado na segurança pública, dos bolsões de miséria nos maiores centros, das conseqüências prejudiciais, em bens humanos e materiais, a cada chuva mais forte num país ao qual a natureza deu tudo.
A corrupção, sobretudo no nível do Legislativo e do Executivo, não encontra apuração apropriada, deixando a cidadania insatisfeita. O Judiciário tem sua parte de culpa pela sensação de indiferença social, com os processos eternizados, mais a impunidade dos bem defendidos por disporem dos meios necessários, em contraste com os desprovidos.
Quando se passa do volume de informação para assunto tão específico quanto coligações e se vai à sacralidade dos direitos fundamentais, constata-se que estamos longe do processo democrático que assegure a compensação das desigualdades. O debate eleitoral é importantíssimo, mas tem servido apenas para distrair o povo e afastar preocupações essenciais do interesse comum. É espécie de Copa do Mundo sem a diversão legítima que o futebol propicia à maioria dos brasileiros.


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