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WALTER CENEVIVA
Verticalização horizontal
A verticalização nas eleições é debate importantíssimo, mas vem afastando outros temas de interesse comum
SE O LEITOR considerou absurdo
o título, saiba que foi pensado
para examinar, num primeiro
momento, as coligações partidárias
na próxima eleição e sua influência
no processo do voto, para daí tirar
outras conseqüências, ao fim. Começo com o artigo 16 da Constituição, pelo qual a lei, que altera o processo eleitoral, "não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data
de sua vigência". Essa norma se liga
ao novo parágrafo 1º do artigo 17 da
Carta, introduzido em março último. Em matéria de coligações, o parágrafo "liberou geral": pode tudo.
Veio o Supremo Tribunal Federal
(STF) e disse não. O parágrafo só será aplicado a contar de 2007, porque
o artigo 16 proíbe a aplicação imediata. O leitor não familiarizado
com as tramas da política deve saber
que partidos coligados em nível federal poderão fazer qualquer outra
coligação nos Estados e municípios
a partir de 2007. Esta solução deixará de ser ilegal, afastando o que até
aqui era imoralmente político ou
politicamente imoral -escolha a alternativa que lhe pareça melhor-
permitindo partidos uníssonos na
União e contraditórios nos níveis
estadual e municipal. O novo parágrafo 1º do artigo 17 legalizará as
contradições.
Nessa linha o Tribunal Superior
Eleitoral esteve na berlinda, ao rever decisão por seis votos a um, na
qual seus ministros responderam a
consulta do Partido Liberal (PL) para dizer que nenhum partido político poderia, em 2006, fazer coligação
diferente da adotada nacionalmente, mesmo sem ter candidato a presidente da República. Resolveu desdizer-se logo depois. A revisão despertou críticas, mas deveria ter sido
elogiada. Juízes e tribunais erram.
Às vezes resistem em reconhecer o
erro, mesmo sob pena de serem injustos. No caso do TSE, aceitou a
proposta de reconsideração feita
por seu presidente, ministro Marco
Aurélio. Admitiu a "verticalização
flexibilizada" para partidos sem
candidato a presidente.
A corte eleitoral terminou criticada por ter cão (fixou a verticalização
integral) e por não ter cão (corrigiu o
erro). Chego, finalmente, ao ponto
básico desse comentário: tratou-se
de mais uma discussão anestésica,
afastando questões fundamentais
da prática da democracia, como são
as do papel do Estado na segurança
pública, dos bolsões de miséria nos
maiores centros, das conseqüências
prejudiciais, em bens humanos e
materiais, a cada chuva mais forte
num país ao qual a natureza
deu tudo.
A corrupção, sobretudo no nível
do Legislativo e do Executivo, não
encontra apuração apropriada, deixando a cidadania insatisfeita. O Judiciário tem sua parte de culpa pela
sensação de indiferença social, com
os processos eternizados, mais a impunidade dos bem defendidos por
disporem dos meios necessários, em
contraste com os desprovidos.
Quando se passa do volume de informação para assunto tão específico quanto coligações e se vai à sacralidade dos direitos fundamentais,
constata-se que estamos longe do
processo democrático que assegure
a compensação das desigualdades. O
debate eleitoral é importantíssimo,
mas tem servido apenas para distrair o povo e afastar preocupações
essenciais do interesse comum. É
espécie de Copa do Mundo sem a diversão legítima que o futebol propicia à maioria dos brasileiros.
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