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MOACYR SCLIAR
A felicidade no currículo
Ai dos alunos que forem reprovados. O estigma da infelicidade será colocado
no seu histórico escolar
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Alunos terão aulas de felicidade. Dois mil
alunos de uma escola pública britânica
terão aulas sobre felicidade a partir do
início do próximo ano letivo graças a um
programa piloto que poderá ser implementado ao currículo escolar do país, informou o jornal "The Independent". Estas técnicas buscam proteger as crianças
de males atuais, como a depressão e a falta de auto-estima. O projeto foi lançado devido ao aumento de depressões e enfermidades mentais registradas entre as crianças britânicas. Pelo menos 10% das crianças em idade escolar sofrem de depressão severa, segundo as estatísticas oficiais.
Folha Online, 10 de julho
O NOVO curso sobre felicidade
parte do princípio que este é
um estado de espírito obrigatório, sobretudo em países que de há
muito superaram problemas como a
pobreza e a desigualdade social.
Mais: é um direito.
O pursuit of happiness, a busca da
felicidade de que, muito apropriadamente fala a Constituição norte-americana, deve estar ao alcance
de todos, assim como o alimento, a
água e o ar. Como disciplina, portanto, a felicidade será de freqüência obrigatória; alunos que faltarem a 20% ou mais das aulas serão
automaticamente excluídos e considerados infelizes.
Isso posto, deve-se dizer que o
curso será do mais alto nível. Os
professores serão cuidadosamente
selecionados, dando-se preferência àqueles que tenham doutorado
em felicidade concedido por instituição universitária reconhecida.
Mais que isso, a vida pessoal desses
mestres será investigada; qualquer
sugestão, por parte de familiares
ou de amigos, acerca de conduta
sugestiva de algum grau de infelicidade ou de pouca felicidade, poderá ocasionar o afastamento deste
professor e seu desligamento do
corpo docente.
O curso em si terá a duração de
180 horas. Esta cifra não surgiu do
acaso; trata-se de múltiplo de 18,
um número que, segundo a Cabala,
proporciona bom augúrio. Nas 180
horas os alunos terão aprendizado
teórico e prático.
O aprendizado teórico incluirá
disciplinas como Introdução à Felicidade e Evitando Pessoas Infelizes. No aprendizado prático os alunos deverão exercitar a capacidade
de se sentir bem, de manifestar alegria, e de rir -sim, porque o riso,
para fins práticos, é considerado o
indicativo maior de felicidade.
Ao final do semestre os alunos
serão submetidos a provas. No exame teórico, escreverão dissertações sobre questões tais como "É
verdade que o homem feliz não
usava camisa?"
Na prova prática deverão mostrar sinais de felicidade exuberante. Isso será medido com auxílio de
moderna tecnologia. Um aparelho
especial dirá se o riso do aluno é
verdadeiro ou falso, e se sua intensidade é suficiente para comprovar
felicidade. Também será avaliada a
expressão facial.
Os alunos realmente felizes receberão um certificado de Felicidade
Comprovada, válido para admissão
em cursos mais avançados tratando do tema. Mas os que forem reprovados... Ai dos que forem reprovados. O estigma da infelicidade
será colocado no seu histórico escolar e eles nunca mais poderão sequer sorrir, mesmo assistindo a
uma impagável comédia de tevê.
Deverão assumir sua infelicidade,
e cursar de novo a disciplina, até
que a sorte, feliz, lhes sorria.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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