São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 2006

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MOACYR SCLIAR

A felicidade no currículo


Ai dos alunos que forem reprovados. O estigma da infelicidade será colocado no seu histórico escolar

  Alunos terão aulas de felicidade. Dois mil alunos de uma escola pública britânica terão aulas sobre felicidade a partir do início do próximo ano letivo graças a um programa piloto que poderá ser implementado ao currículo escolar do país, informou o jornal "The Independent". Estas técnicas buscam proteger as crianças de males atuais, como a depressão e a falta de auto-estima. O projeto foi lançado devido ao aumento de depressões e enfermidades mentais registradas entre as crianças britânicas. Pelo menos 10% das crianças em idade escolar sofrem de depressão severa, segundo as estatísticas oficiais. Folha Online, 10 de julho

O NOVO curso sobre felicidade parte do princípio que este é um estado de espírito obrigatório, sobretudo em países que de há muito superaram problemas como a pobreza e a desigualdade social. Mais: é um direito.
O pursuit of happiness, a busca da felicidade de que, muito apropriadamente fala a Constituição norte-americana, deve estar ao alcance de todos, assim como o alimento, a água e o ar. Como disciplina, portanto, a felicidade será de freqüência obrigatória; alunos que faltarem a 20% ou mais das aulas serão automaticamente excluídos e considerados infelizes.
Isso posto, deve-se dizer que o curso será do mais alto nível. Os professores serão cuidadosamente selecionados, dando-se preferência àqueles que tenham doutorado em felicidade concedido por instituição universitária reconhecida. Mais que isso, a vida pessoal desses mestres será investigada; qualquer sugestão, por parte de familiares ou de amigos, acerca de conduta sugestiva de algum grau de infelicidade ou de pouca felicidade, poderá ocasionar o afastamento deste professor e seu desligamento do corpo docente.
O curso em si terá a duração de 180 horas. Esta cifra não surgiu do acaso; trata-se de múltiplo de 18, um número que, segundo a Cabala, proporciona bom augúrio. Nas 180 horas os alunos terão aprendizado teórico e prático.
O aprendizado teórico incluirá disciplinas como Introdução à Felicidade e Evitando Pessoas Infelizes. No aprendizado prático os alunos deverão exercitar a capacidade de se sentir bem, de manifestar alegria, e de rir -sim, porque o riso, para fins práticos, é considerado o indicativo maior de felicidade.
Ao final do semestre os alunos serão submetidos a provas. No exame teórico, escreverão dissertações sobre questões tais como "É verdade que o homem feliz não usava camisa?"
Na prova prática deverão mostrar sinais de felicidade exuberante. Isso será medido com auxílio de moderna tecnologia. Um aparelho especial dirá se o riso do aluno é verdadeiro ou falso, e se sua intensidade é suficiente para comprovar felicidade. Também será avaliada a expressão facial.
Os alunos realmente felizes receberão um certificado de Felicidade Comprovada, válido para admissão em cursos mais avançados tratando do tema. Mas os que forem reprovados... Ai dos que forem reprovados. O estigma da infelicidade será colocado no seu histórico escolar e eles nunca mais poderão sequer sorrir, mesmo assistindo a uma impagável comédia de tevê. Deverão assumir sua infelicidade, e cursar de novo a disciplina, até que a sorte, feliz, lhes sorria.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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