São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 2000


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PASQUALE CIPRO NETO

O cálculo do inimaginável

Está chegando o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Uma das palavras de ordem -corretamente exigida pelo MEC- é interdisciplinaridade. No Enem, nem há mais a clássica divisão das questões por matéria. Um teste pode abordar matemática e português ao mesmo tempo.
Na verdade, em muitos concursos públicos isso já é feito, há um bom tempo. É clássica, por exemplo, uma questão da Fuvest em que se pedia o quadrado de 10%.
Antes de ser de matemática -ou física, química, biologia-, qualquer questão é de texto. Os apressadinhos ou distraídos vão logo dizendo que a resposta é 100%. Afinal, o quadrado de um número é ele multiplicado por ele. Esquecem-se de um detalhe, linguístico-matemático: 10% é diferente de 10. A preposição "por" da expressão "por cento" estabelece idéia de relação, ou seja, 10% significa 10 em relação a 100, o que, evidentemente, não equivale a 10.
A expressão 10% é equivalente a 10/100, que, como se sabe, equivale a 1/10. Então o quadrado de 10% é o quadrado de 1/10. Faça a conta. O resultado? 1/100, ou seja, 1 em relação a 100, ou seja, 1%.
Não se assuste, não. Não virei professor de matemática, mas não abro mão de ser professor de texto, de raciocínio lógico ou de algo equivalente.
Já que falamos de portumática, vale a pena citar um caso bem interessante, do qual a imprensa "gosta" muito. O repórter faz uma matéria sobre preços. Vai a uma loja e constata que lá a mercadoria custa R$ 90,00. Em outra loja, custa R$ 30,00. Incontinenti, dispara: "Na segunda loja, o produto custa três vezes menos".
Pense comigo, caro leitor. Se custasse uma vez menos, já custaria zero, é claro. Portanto, se aqui custa x e lá custa três vezes menos, o cidadão não põe a mão no bolso e, ainda por cima, sai da loja com o produto e com dinheiro suficiente para comprar mais dois.
Percebeu o que ocorre? Na loja que vende por menos, o produto custa um terço do que custa na outra, e não três vezes menos. Afinal, 30 é 1/3 de 90, e não três vezes menos. Naquela em que custa R$ 90,00, custa o triplo, e não três vezes mais. Se custa três vezes mais, seu preço é R$ 120,00 (30 + três vezes 30). É por isso que só se pode rir quando se ouve que algo diminuiu 150% ou que em outro lugar tal coisa custa x vezes menos.
Pois bem. Como será possível, então, que a violência diminua 7,25 vezes? Pois foi o que afirmou, na semana passada, um candidato a prefeito de uma falida capital brasileira, em nota enviada a um grande jornal do país.
O engenheiro afirmou que em gestão anterior "poupou dinheiro público na Segurança e a violência diminuiu 7,25 vezes". Como tudo neste país é obra dele, até o inimaginável o é. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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