São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2006

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Relatos citam desvio em museus desde 94

Cinco testemunhas afirmam que dinheiro obtido com eventos era depositado em uma conta particular até março deste ano

Lei determina que recursos gerados com atividades nos museus do Estado de São Paulo sejam destinados a fundo de fomento à cultura

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Diretores da sociedade de amigos do MIS (Museu da Imagem e do Som) e do Museu da Casa Brasileira desviaram recursos que deveriam ir para o Estado para essas entidades privadas, de acordo com o relato de cinco testemunhas ouvidas pelo Ministério Público. A irregularidade perdurou por 12 anos, pelo menos -de 1994 até março deste ano.
"Os recursos obtidos com locação de espaço público iam para a associação, não para o museu ou para a Secretaria da Cultura", diz o promotor Sílvio Marques, que investiga as eventuais irregularidades na área cível nos dois museus pertencentes ao governo paulista.
Na última semana, Marques determinou a abertura de um inquérito policial para apurar suspeitas de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e prática de caixa 2.
A lei 10.294, de 1968, determina que todos os recursos obtidos com a venda de ingressos, catálogos ou locação de espaço devem ser depositados no Fundo Estadual de Cultura. Doações e contribuições também precisam ir para esse fundo.
A Promotoria da Cidadania tem documentos que mostram que o Museu da Casa Brasileira alugava espaços para eventos desde 1994 e o dinheiro era depositado em uma conta da associação de amigos. O MIS e praticamente todos os museus do governo do Estado adotam o mesmo tipo de prática.
Três ex-diretores desses museus ouvidos pela Folha, sob a condição de que seus nomes não fossem publicados, contam que a orientação para depositar o dinheiro na conta privada vinha da Secretaria da Cultura.
Um dos ex-diretores contou que ouviu do próprio Marcos Mendonça, secretário da Cultura de 1995 a 2003 (nos governos tucanos de Mário Covas e Geraldo Alckmin), a sugestão de que ele não conseguiria reaver a verba se fosse depositada no Fundo Estadual de Cultura.
A sociedade de amigos de museus foi a forma que os secretários da Cultura do Estado encontraram para driblar o que classificam de "rigidez" da lei. Tudo era tão oficial que a secretaria revisava e aprovava o estatuto das sociedades. Com recursos à míngua, o Estado cuidava do pagamento de uma parcela mínima de funcionários e segurança. O pagamento do resto -exposições, pesquisas, cuidado com acervo- ficava a cargo dessas entidades.
A justificativa para a adoção das sociedades era simples. Se a luz de um projetor do MIS queimar, o governo leva dois meses para trocá-la. Com o dinheiro da sociedade, a substituição era feita no dia seguinte.
O problema é que há uma lei determinando que a verba obtida com o espaço público vá para um fundo público.
"Museu não é repartição pública e as leis existentes inviabilizavam a gestão de um museu até surgir a figura jurídica das organizações sociais", diz a ex-secretária Cláudia Costin.
As OSs, como são chamadas, foram criadas na área da cultura em 2004 e têm um papel similar ao da sociedade de amigos: servem para fugir da lerdice do Estado e buscar recursos junto à iniciativa privada.
Mesmo dentro do PSDB, partido que criou e defende as OSs, há quem critique a prática por acreditar que há limites para a idéia de Estado mínimo e, os museus, pelo seu caráter educativo, deveriam ser excluídos. Há quem considere as OSs "privatização envergonhada".
Costin acha a classificação simplista: "O bom das OSs é que o Estado não se desonera de financiar as instituições e você ganha flexibilidade de gestão". Foi por meio das organizações sociais que o Estado acabou com a informalidade que existia nas sociedades de amigos de museus. Em março deste ano, as OSs do MIS e do MCB assinaram um convênio com o Estado, segundo o promotor, que regula as relações.
"Antes de março, havia uma relação informal e ilegal", afirma Marques. O Ministério Público tem indicações de mais de 200 eventos realizados nos dois museus. Até casamentos eram celebrados no MCB e no MIS, diz o promotor.
O crítico de cinema Amir Labaki, que dirigiu o MIS em duas ocasiões, diz que a informalidade não significa prática de irregularidades. "É muito mais fácil ter caixa 2 sem associação de amigos. Com essas associações, você tem representantes da sociedade civil para vistoriar o que os museus fazem."


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